Enquanto os partidos lançavam olhares desconfiados e medrosos sobre as chamadas candidaturas
independentes (
das estruturas partidárias mas não necessáriamente de posicionamentos socio-politicos-ideológicos), causou perplexidade a reportagem feita por vários canais televisivos, na noite eleitoral lisboeta, junto de cidadãs e cidadãos de Cabeceiras de Basto, Alandroal, ... , que se teriam deslocado à capital para manifestar apoio ao candidato António Costa.
No entanto, a perplexidade surge quando as ditas cidadãs e ditos cidadãos revelavam que não sabiam para o que tinham vindo, até porque ninguém lhes tinha dito!!! ... No dia seguinte à noite eleitoral alguns jornais revelaram o programa oferecido para a realização das tais viagens de "apoio", os quais incluiam repastos capazes de começar por calar os estomagos, para depois serenarem as bocas ...
Muito elucidativo do estado a que os grandes partidos parlamentares chegaram ... e dos "contributos" que continuamente estão a dar para a crescente
desqualificação da democracia!
É claro que, perante cenários destes, qual o interesse do
apelo ao voto para um cidadão e uma cidadã?
A democracia portuguesa, neste momento uma caricatura do que Abril criou, é um
exemplo concreto daquilo a que se chama de democracia burguesa, de democracia formal e até de partidocracia.
Para os cidadãos parece que os caminhos para a sua participação livre, critica e independente estão bloqueados pelos partidos que teimam em chamar a si a gestão dessa participação. Mas os partidos, no seu seio, também bloqueiam, afunilam, reprimem quem é critico das respectivas direcções.
São os partidos tradicionais e parlamentares que, com a sua acção, criam e fortalecem as correntes populistas. O populismo não surge por acaso ou por reacção espontânea!
Não está em causa a democracia representativa. O que está em causa é o bloqueio instituido perante qualquer afirmação de democracia directa e participativa.
Os partidos políticos não estão em causa. Em causa está o impedimento prático e fácil de iniciativas independentes de cidadãs e cidadãos. Ou a criação, afirmação e participação de organizações sociais de intervenção, como comissões de moradores, comissões de trabalhadores, comissões de defesa do consumidor, ...
A democracia não se reduz ao parlamentarismo. Tal como não se reduziria a formas de acção directa.
Ser cidadão não tem de ser militante. Tem, isso sim, de representar
possibilidade permanente de mostrar a sua vontade, mostrar a sua critica, mostrar a sua indignação ... sem ter a sensação de que o que faz não serve para nada e, ainda por cima, pode servir para se
tramar ...
O neo-liberalismo, o capitalismo do século XXI, só consegue produzir parlamentarismo, como caminho para o
bloqueamento da iniciativa e participação cidadãs.
Uma
alternativa socialista libertária afirma a urgência da
redescoberta de todas as formas de participação e de iniciativa colectivas e cidadãs. Para além dos partidos e do parlamento. Mas com
profundo corte com as matrizes actuais que bloqueiam a plena afirmação da vontade popular.
João Pedro Freire