Os Editoriais num qualquer desses orgãos de comunicação social expressam posições que não atentam contra a "verdade" de quem exerce a titularidade da propriedade desses orgãos. O Editorial do Público de hoje (Domingo, 16 de Outubro) é disso um excelente exemplo, já que analisa as manifestações de ontem, i.e. o 15 de Outubro nacional e internacional. Básicamente este Editorial resume-se a duas conclusões que devem merecer a concordância de Belmiro de Azevedo e do seu grupo Sonae:
- no plano nacional, as manifestações de ontem ficaram "muito aquém" das de 12 de Março. No plano internacional, "tirando Espanha, não houve enormes manifestações noutras partes do mundo". Ou seja, o Editoral, para descanso do dono do Público, menoriza o impacto das manifestações de ontem, quanto à variável "quantidade" ...
- em conclusão, surge o mais importante para satisfação dos donos do Público, quando é escrito: "Mas é preciso não perder de vista que tudo isso tem que ser feito preservando as liberdades esseciais, que nas democracias se expressam, entre outras coisas, pelo voto. As "assembleias populares" de centenhas ou milhares não podem substituir, a não ser por entorse democrático, as assembleias dos representantes livremente eleitos pelos cidadãos. Só assim os tais "cidadãos europeus preocupados" e os "indignados" do mundo poderão mudar o que deve ser mudado."
As manifestações de 12 de Março deste ano, foram social e politicamente muito importantes. Aconteceram num momento que marca o fim de um ciclo de governação do PS de Sócrates. Por este motivo, foram também demasiadamente tão abrangentes quanto indefenidas. Uma das consequências dessas manifestações foi a queda, por via eleitoral, do governo de José Sócrates e a penalização do PS.
Depois das eleições legislativas de Junho último e na assimilação de medidas impostas pela troika (FMI/BCE/Comissão Europeia) e agravadas pelo actual governo PSD/CDS (com hesitações cumplices da nova direcção do PS), não seria previsível que as manifestações de ontem, 15 de Outubro, trouxessem às ruas nacionais, os mesmos 300.000 indignados.
No entanto, no conjunto das manifestações nacionais de ontem, mais de 150.000 pessoas mostraram nas ruas a sua indignação e afinaram a contestação a políticas concretas de austeridade e à sua origem, com a clara oposição à ingerência do FMI/BCE/Comissão Europeia. Também alinharam nacionalmente com a oposição internacional ao capitalismo especulativo dos ditos mercados financeiros e das agências de rating e também à agiotagem da banca.
O 15 de Outubro, nacional e internacional, é claramente o ínicio de um novo ciclo de protagonismo para os movimentos sociais. E um dos vectores mais fortes deste novo ciclo, é (ou será!) a sua coordenação internacional, para já, traduzida em muita espontaneidade.
Seria "perigoso" para o Público e para o seu dono, que o seu Editorial concluísse que o capitalismo está agora, ao contrário do 12 de Março nacional, a ser crescentemente contestado nos planos nacional e internacional. É crescente, e isso é extremamente positivo, a contestação a políticas que os governos apresentam como "inevitáveis", e, que as pessoas contra-argumentam com a existência de outras soluções para uma crise que, definitivamente, a maioria social descarta qualquer responsabilidade na sua origem.
O movimento internacional do 15 de Outubro engasga claramente um capitalismo que já vem revelando muitas dificuldades para respirar ... é mais um dado objectivo!
Como o Público, muitos "comentadores" pagos por quem controla a imprensa nacional e internacional, não se cansam de mostrar a "inevitabilidade" das actuais políticas de austeridade, pedindo sempre mais, rematando sempre com a "inexistência" de alternativas por parte dos indignados, a não ser quando estes recorrem a "soluções anacrónicas e perigosas". Ou seja, tudo o que possa contradizer a lógica do hiper-parlamentarismo afunilado e da economia da especulação, é apontado e repetido, tipo "lavagem ao cérebro", como sendo "anacrónico" e "perigoso".
O lado político do actual capitalismo é caracrterizado, internacionalmente, por uma espécie de orgias de alternâncias políticas, onde se revezam os mesmos lados de uma mesma moeda. No plano nacional, a sucessão de ora PS ora PSD/CDS, é conhecida, sentida e começa a merecer a devida contestação social e popular. Chegou-se a um ponto, em que ninguém sufraga as políticas que, na prática, se seguirão ao acto eleitoral. Sistemáticamente os governos eleitos invocam razões excepcionais para não cumprirem programas eleitorais sufragados, sem que os eleitores, as pessoas, possam fazer o que quer que seja ... a não ser, manifestar-se!
Neste sentido, a actual democracia liberal é um logro, uma farsa por distorcer tanto e não cumprir a vontade popular, e, afunilar ao máximo o acesso das pessoas à decisão política, a qualquer nível da sociedade.
Na actual fase do capitalismo, à farsa política da democracia liberal, junta-se também o medo, a chantagem imposta pelos grupos económicos, muitas vezes, sem cara, ao dia-a-dia dos trabalhadores. Liberalizam, como nunca, a segurança do direito ao trabalho, tornando cada trabalhador alguém que é visto como descartável, em nome dos lucros que o patrão decide ter ...
É na sequência deste estado de coisas, que a proliferação de exemplos concretos de democracia directa e assembleária é também um dado novo e importantíssimo na actual fase da contestação social ao capitalismo global. Os movimentos sociais, dessa maneira, acrescentam alternativa politica à democracia liberal hiper-afunilada, com a multiplicação de experiências de Assembleias Populares que sabem auto-organizar-se em Comissões Temáticas para responderem, com as pessoas, com propostas concretas aos seus problemas conjunturais e até estruturais.
Uma rede de Assembleias Populares pode claramente, e, até seria desejável, assumir-se como uma alternativa de auto-governo aos governos que executam com políticas à margem da vontade e do sentir das pessoas concretas.
As Assembleias Populares são, por isso, experiências concretas de governo que, objectivamente, metem medo aos grandes grupos económicos e financeiros e aos seus politicos de mão.
O movimento, nacional e internacional, do 15 de Outubro, pode vir a ser , nesta matéria, um enorme desafio de alternativa ao modelo capitalista, nas suas facetas politica, económica, social e cultural!
João Pedro Freire
Sem comentários:
Enviar um comentário