Antes de mais uma tentativa de caracterização da actual conjuntura: profunda crise financeira neo-liberal em rápida evolução para uma crise económica e social do sistema capitalista mundial. No plano nacional, a existência de um governo dito socialista com políticas neo-liberais e alinhadas com o patronato e o sector financeiro, poderá contribuir para a reformulação política do espaço da esquerda socialista. Trata-se de um processo que depende também da capacidade de influência (da parte, nomeadamente do BE) junto do movimento social e de massas. No entanto, a incapacidade de influência pode ocasionar algum protagonismo por parte da direita (PSD) ou de alguma solução populista.
É por isto que é importante debater as soluções políticas e organizativas que o BE – enquanto parte decisiva da esquerda socialista – proporá na sequência da sua próxima Convenção Nacional. São soluções que se devem interligar nos diferentes cenários dos processos das eleições legislativas, europeias e autárquicas.
Na opinião da Moção B, a definição de soluções socialistas para a presente crise depende muito mais da capacidade de intervenção e de influência junto dos movimentos e lutas sociais do que do protagonismo que se consiga no plano parlamentar ou dos acordos entre direcções partidárias à esquerda.
A intervenção e a influência junto dos movimentos e lutas sociais terão também uma influência decisiva na fractura do Partido Socialista, isto é, na influência das suas bases militantes que criticam abertamente as políticas sócraticas. Perante isto, Manuel Alegre é apenas um sintoma da existência de milhares de aderentes e simpatizantes descontentes do PS. E como sintoma que é, acaba por ser titubeante, contraditório e pouco consequente. Numa óptica de reorganização do espaço da esquerda socialista o que se pretende é a adesão das bases militantes do PS!
A reorganização do espaço da esquerda socialista, no qual o BE acaba por ser um excelente exemplo de sucesso da capacidade de convergência de correntes com experiências politicas e culturais diferentes, conseguido no cadinho das lutas sociais, é também uma parte do processo de definição daquilo a que a Moção B chama de “maioria social de esquerda”. Uma maioria constituída para além das somas aritméticas dos partidos, mas conseguida pela convergência consolidada dos movimentos sociais que querem novas políticas, novas experiências governativas, que cortem radicalmente com o capitalismo e apontem para um socialismo libertário, democrático e revolucionário.
A actual crise capitalista cria à esquerda, entre as esquerdas e em particular à esquerda socialista, uma oportunidade importantíssima para se proporem soluções que consigam reunir o apoio da maioria social e sejam mobilizadoras dessa maioria. Tem havido, desde logo, comum a todas as esquerdas na abordagem à presente crise, um dado preocupante: todas as “soluções” apresentadas têm passado pela tentativa de compromissos governamentais e parlamentares que ignoram a participação institucional dos trabalhadores de cada sector em crise.
No caso do BE, é aqui que reside um dos motivos para a crítica da Moção B quando referimos que a acção do Bloco tem estado demasiadamente subordinada e dependente da acção parlamentar. Na nossa opinião, esta dependência vai ter também repercussões na vida interna da nossa organização: as estruturas (núcleos e concelhias) acabam por ficar centradas na acção parlamentar e desviadas da intervenção junto das lutas e dos movimentos sociais que acontecem mesmo ao pé si, e, no plano da democracia interna esta torna-se muito formal numa organização que parece que só está interessada em reproduzir “clones” do seu coordenador.
O Bloco de Esquerda tem de voltar à irreverência e criatividade dos seus primeiros tempos, sabendo e conseguindo “correr por fora, de modo que nos permita, simultaneamente afirmar a nossa luta pelo Socialismo e tentarmos melhorar a vida das pessoas na sociedade capitalista em que vivemos.
A actual crise cria, desde uma perspectiva socialista, oportunidades para a apresentação de soluções que podem contribuir, no quadro das lutas sociais e laborais, para o processo de formação de uma consciência social para uma alternativa socialista. Soluções que não têm de estar submetidas às chamadas agendas parlamentares.
> Em alternativa à “nacionalização” ou estatização burguesa de bancos, porque não apelar à sua socialização, isto é, criando condições para o controlo da gestão dos bancos (todos!) pelos trabalhadores do sector financeiro? Repito que é espantoso como, por exemplo, no BPN e mesmo no BPP os trabalhadores dessas instituições foram completamente esquecidos, enquanto se continua a falar em gestão danosa, em corrupção, etc. O controlo da gestão pelos trabalhadores deveria ser também pedida para o Banco de Portugal.
> Organização dos trabalhadores vítimas do fecho de empresas, apontando-se soluções de economia social, em vez, dos parcos subsídios que servem para a abertura de cafés, pãos quentes e outras formas perpetuar a precariedade das suas condições de vida tirando qualquer capacidade critica de cidadania a esses trabalhadores. Por exemplo, motivar as estruturas locais do Bloco, nos locais em que o desemprego atinja valores com impacto social, à organização de sessões de formação sobre formas de economia social.
> Adequar a organização dos trabalhadores precários ao actual contexto de medo. Divulgação de formas de organização a partir de redes na net, envolvendo-se as actuais organizações, o movimento sindical e outras organizações que venham aparecer. Em toda esta acção é vital que os militantes tenham uma posição de colaboração activa e solidária em vez de busca do controlo …
No movimento organizado dos trabalhadores, a actividade dos militantes bloquistas nos sindicatos e nas Centrais Sindicais é pouco conhecida como corrente sindical que, na minha opinião, se deveria afirmar de forma autónoma e organizada. A intervenção dos militantes bloquistas nos sindicatos da CGTP e da UGT poderia também significar a introdução de novas ideias para o movimento sindical chegar aos trabalhadores do sector privado, das pequenas e médias empresas, buscando-se acções que motivem o retorno à solidariedade de classe num contexto de domínio de contratos individuais de trabalho, quando existem, e de precariedade.
Matéria importante para os subscritores da Moção B, é a democracia interna no Bloco. Não temos dúvidas em constatar que o BE é hoje o único partido, no quadro parlamentar, que possui o sistema de democracia interna mais avançado e regulamentado. Mas queremos mais, já que o nosso modelo não é o parlamentarismo, nem os partidos que se moldam segundo os mecanismos da chamada democracia liberal.
Para a Moção B, falar de democracia interna é falar de óleo para a engrenagem, é como falar de oxigénio para o corpo humano. É também criar condições para que o Bloco não seja “só” o “líder”, e, consiga estar sempre, por inteiro, em qualquer movimento e luta sociais, onde quer que se desenvolvam.
No plano da organização interna, consideramos que é vital que a informação, de cima para baixo e de baixo para cima, circule fluentemente, contribuindo para aumentar a capacidade de auto-mobilização a todos os níveis, concelhias, núcleos e militantes. Consideramos que, não obstante alguns progressos, é possível fazer mais. Uma sugestão: incentivo aos núcleos e concelhias para criarem fanzines de intervenção local! Estaríamos também a aumentar a discussão política que tem sido bastante reduzida ao nível de núcleos e concelhias. E a capacidade para se intervir resulta muito da iniciativa, a qual tem de partir da capacidade de planificação das intervenções, onde o elemento discussão é vital!
A democracia interna também é a livre organização de tendências. As tendências organizadas são também um motor dessa democracia. E são também uma tradição do movimento socialista internacional, nomeadamente aquele em que se integrou Rosa Luxemburgo, que sempre considerou a liberdade como parte integrante das organizações socialistas e do próprio socialismo.
Consideramos que as tendências organizadas no seio do Bloco devem ter mais liberdade e maior capacidade de intervenção interna e externa, sempre no respeito pelos Estatutos e pelas regras da democracia. Por exemplo, o aparecimento de mais pluralismo nas eleições intermédias da nossa organização seria uma consequência da prática da democracia interna e o contributo desta para maior vitalidade e dinamismo internos. Outro exemplo, é o incentivo, através da permanente divulgação (pela COC, nomeadamente), da candidatura de cada militante a delegado à Convenção Nacional, apoiando esta ou aquela moção, mesmo que, em cada núcleo esse militante seja o único candidato por essa Moção.
Pessoalmente considero que seria interessante que, num futuro próximo, o BE pudesse equacionar nos seus Estatutos a possibilidade de adesões colectivas. Também a possibilidade de grupos e movimentos sociais assistirem e intervirem em pontos específicos das Convenções Nacionais e em reuniões das estruturas intermédias. Seria uma forma de afirmarmos o BE como partido-movimento e estaríamos também a tentar, no século XXI, perante os movimentos sociais, aquilo que , no século XIX, o movimento operário e sindical concretizou ao organizar partidos políticos socialistas, como forma de terem um instrumento para influenciarem e mudarem o poder!
O Bloco de Esquerda como partido-movimento continua a ser um projecto original. Uma organização horizontal, não-autoritária, inclusiva e onde pluralismo é sinal de vitalidade e de capacidade de mobilização. Nesta perspectiva, defende-se que o Bloco deverá aproveitar todos os novos meios e tecnologias de comunicação e informação como forma de chegar e difundir a multitude dos novos movimentos e mensagens sociais. Neste caso, seria muito interessante que os espaços do Bloco na net fosse criada uma BElogosfera onde todos os blogues e portais que o quisessem, colectivos ou individuais, criassem links e, periodicamente, fossem organizados Encontros Abertos Temáticos.
Criando um “BE EM MOVIMENTO” e como forma de dinamizar permanentemente núcleos e concelhias, organizados por estes, poderiam ser organizadas sessões para discussão, a partir da exibição de exposições (nas sedes locais do BE) e da projecção de filmes.
Trata-se, na minha opinião, todas as ideias e propostas formuladas, de uma forma de se criar um BE com intervenção nas eleições para a Assembleia da Republica com capacidade de influenciar muito para além do mero circo eleitoral.
EUROPEIAS
As eleições europeias não devem ser consideradas como secundárias na sua importância política, relativamente às nacionais. Há hoje um conjunto de políticas nacionais que estão condicionadas pelo seu enquadramento europeu e, como tal, é muito importante que a esquerda socialista tenha capacidade para influenciar a dimensão europeia.
A Europa tem estado dominada por um modelo indefinido. Não se percebe se a sua organização é unionista, federal ou uma mera soma de Estados nacionais. A direita prefere levantar o “papão” do federalismo porque teme que uma resposta com coordenação internacional da esquerda – afinal aquilo que a esquerda socialista sempre pugnou! – possa ter mais êxito que o seu tradicional posicionamento nacionalista. Algumas esquerdas – mesmo entre a esquerda socialista – teme o federalismo, embora nunca o tenha discutido (pelo menos, nos anos mais recentes), porque identifica esse federalismo com uma organização que daria mais protagonismo aos Estados “mais fortes” … O que fica é um modelo indefinido que serve que nem uma luva ao neo-liberalismo de Durão Barroso, Merkl, Sarkozy e José Sócrates.
A ideia de uma Europa unida não é ideia da direita, mas um projecto avançado pela esquerda socialista no pós-guerra. E a esquerda socialista europeia propôs precisamente um modelo onde o relacionamento entre os Estados fosse feito num plano de total igualdade, sem imposições em função de qualquer dimensão, e sem qualquer lógica nacionalista. O “Movimento pelos Estados Unidos Socialistas da Europa” propunha um modelo federal que a chamada “guerra fria” impediu que tivesse continuidade, quanto mais não fosse, em relação à sua discussão e divulgação.
A discussão aberta sobre o tipo de organização europeia seria uma boa ideia a desenvolver no seio do Bloco de Esquerda!
Esta discussão encaixa numa outra ideia importante face ao caos em que o neo-liberalismo tem deixado o processo de unidade europeia: a refundação social e democrática da Europa!
Para essa refundação, a Moção B (à semelhança de muitas outras correntes socialistas europeias) considera que é fundamental a eleição de um Parlamento europeu com poderes constituintes que defina e aprove uma Constituição Europeia.
Até lá, é importante que se continue a rejeitar tudo o que impede a refundação democrática e social da Europa, como o “Tratado de Lisboa”, como as políticas de carácter xenófobo e anti-emigração, como a chamada Lei Bolkestein e o Tratado de Bolonha.
Uma especial atenção, deve ser dada à questão da NATO. A Nato não tem nada a ver com a ideia de uma Europa democrática, mas com uma lógica belicista de “guerra fria”. Como tal, o Bloco de Esquerda deveria vincar a sua posição de apelo ao fim da Nato, promovendo um debate nacional sobre o assunto e associar-se a todas as campanhas europeias sobre esta matéria.
AUTARQUICAS
As autarquias deveriam ser consideradas como o nível mais importante para a aprendizagem e formação democráticas. E nas autarquias, as freguesias são o local mais importante para o exercício de uma prática quase assente na democracia directa.
É certo que o modelo de representação popular nas autarquias está hoje muito moldado à imagem do parlamentarismo liberal e burguês, mas é possível desenvolver uma acção que aponte para um caminho diferente.
Os eleitos bloquistas deveriam permanentemente avançar com propostas que promovam práticas de democracia directa e participativa e obriguem as Assembleias e Executivos das Juntas de Freguesia a irem ao encontro das pessoas e dos seus problemas.
É aqui que também é vital que existam estruturas do Bloco, como núcleos, que se assumam como plataformas de apoio à acção dos autarcas bloquistas.
O apoio faz-se não só pela rápida informação das propostas nacionais do Bloco, mas também pela discussão permanente e democrática das principais questões autárquicas.
Esta discussão tem falhado e, por isso, aconteceram casos como o da Câmara Municipal de Lisboa (falta de discussão aberta, democrática e em tempo) e o da Câmara de Salvaterra de Magos (um exemplo de absoluta falta de informação a toda a organização sobre uma experiência autárquica).
Será importante que erros deste tipo não se voltem a repetir, embora seja preocupante o que parece voltar a repetir-se em Lisboa com a posição do Bloco para a respectiva Câmara: se avança sozinho, se apoia Helena Roseta … tudo novamente com toda a organização à espera de saber o que vai acontecer, sem poder intervir!
Teria sido interessante que face a uma posição definida pela Mesa Nacional do Bloco, as concelhias e os núcleos pudessem submeter essa posição nacional às condições específicas das realidades concelhias e de freguesia.
CONCLUSÃO
“Terminado o ciclo eleitoral, 2010 deve permitir que o balanço de 10 anos de Bloco de Esquerda sejam consubstanciados numa conferência sobre o funcionamento interno (…)
Como? Por exemplo, fazendo uma avaliação da prática do direito de tendência. Como? Por exemplo, organizando jornadas culturais, onde os aderentes possam debater ideias e traçar linhas orientadoras de acção, bem como divulgar iniciativas e contribuir, assim, com o seu exemplo, para fomentar outras, principalmente a nível local e distrital.
Devemos, até ao final de 2010, criar a oportunidade para aprofundar, (…), o debate sobre temáticas como o sindicalismo e a organização nos locais de trabalho, o relacionamento intergeracional ou a sustentabilidade ambiental no quotidiano degradado das cidades-dormitório.”
(in Moção B, ponto 12.)
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