Data: 30-12-2009 20:30:06
Assunto: Fwd: O Natal dos banqueiros
Por: José Niza - In ''O Ribatejo''
1. Depois do que aqui escrevi na semana passada sobre “o dinheiro”, não esperava tão depressa voltar ao assunto: preferia que, em tempo de Natal, a caneta me conduzisse para outras paragens, e me levasse por caminhos que fossem de procura, ou de descoberta, de uma réstia de esperança, de uma festa numa praça de amor, de paz e de canções.
Mas não. O homem põe. E a banca dispõe.
2. Um relatório há poucos dias divulgado pela CMVM – a Bolsa – deu-me um murro no estômago. Não é que eu tenha andado distraído da ganância e dos festins da nossa alta finança. Mas tudo tem que ter limites: os números revelados nesse relatório sobre os salários dos administradores dos bancos e das empresas mais importantes do País, para além de aterradores, são um insulto ao povo português e, em especial, aos mais de 500 mil trabalhadores que estão no desemprego.
3. O salário mínimo em Portugal é de 450 euros por mês. 90 contos por mês. 3 contos por dia. Muito pouco para pagar a renda da casa, a comida, as roupas, os sapatos, a água, a luz, os transportes, talvez o telemóvel…
Há um ano, o governo, as confederações patronais e os sindicatos, assinaram um acordo para, em 2010, aumentar o salário mínimo de 450 para 475 euros. Menos de 1 euro por dia! Mas agora, as tais confederações patronais – que assistem mudas e quedas ao escândalo dos vencimentos dos gestores – vêm ameaçar que se o salário mínimo subir para 475 euros será um desastre nacional. E, em contrapartida, propõem 460 euros! Isto é, uma subida de 33 cêntimos por dia!
4. O relatório da CMVM revela que o salário anual médio dos administradores da banca e empresas cotadas na bolsa foi, em 2008, de 777 mil euros, isto é, de 64.750 euros por mês (cerca de 13 mil contos mensais ou 426 contos/dia).
64.750 euros por mês equivalem a 136 salários mínimos. Isto é, para atingir o valor do ordenado mensal de um desses gestores, um trabalhador que receba o ordenado mínimo terá de trabalhar mais de 11 anos!!!
5. Mas ainda não é tudo. Há mais, bastante mais.
2008 – como todos nós sabemos – foi um ano de crise, de falências, de desemprego galopante, de apertar o cinto. Mas, enquanto a esmagadora maioria dos Portugueses fazia contas à vida, cortava nos gastos, fazia sacrifícios ou – nos casos mais dramáticos – passava fome, os senhores do dinheiro tiveram, em média, aumentos de 13 %.
13% sobre 777 mil euros são cerca de 100 mil euros, qualquer coisa como 20 mil contos por ano e para cada um. Só de aumentos!
2009 – um ano que agora se vai embora sem deixar saudades – foi também um ano de enorme crise na indústria automóvel. Mas nem tudo foram desgraças: no Vale do Ave, território dos têxteis e do mais alto desemprego do País, nunca se venderam tantos Porches. Quanto mais desempregados na rua, mais Porches na estrada!
Como se tudo isto ainda não bastasse, os próprios ex-administradores da banca – como é o caso do BCP – têm regalias e mordomias que ultrapassam todos os limites do imaginável: jactos privados para viajarem, seguranças, automóveis de luxo, motoristas, etc. Foi-me contado um caso em que a excelsa esposa de um banqueiro se deslocava regularmente a Nova Iorque – em Falcon privado pago pelo BCP – para ir ao dentista e fazer compras! E que o seu excelso marido (ex-presidente do BCP e membro da Opus Dei) dispunha de um batalhão de seguranças 24 horas por dia, também pagos pelo banco.
Será que uma pessoa com a consciência tranquila precisa da protecção de 40 seguranças? Nem Sadam Hussein tinha tantos…
6. Mas, afinal de contas, quem paga tudo isto?
Para além dos pequenos accionistas, é óbvio que são os clientes dos bancos, essa espécie sub-humana que a banca submete à escravatura e trata a chicote, essa legião de explorados que ainda olha para os bancos – e sobretudo para os banqueiros – com o temor reverencial de quem vê um santo como Jardim Gonçalves em cima de uma azinheira.
Quando um banco remunera um depósito a prazo com 1% de juros e cobra 33% nos cartões de crédito, é-lhe fácil conseguir dinheiro para cobrir todos os excessos e bacanais financeiros do sistema bancário. Quando um banco paga metade dos impostos de qualquer empresa em situação difícil, o dinheiro jorra, enche os cofres dos bancos e os bolsos dos banqueiros.
É nisto que estamos. Até quando?
Será que a um sistema que assim existe e que assim funciona – encostado ao Poder e protegido pela Lei – se pode chamar Democracia?
PS – E que ninguém, de má consciência, tenha a desvergonha de me vir dizer que isto é demagogia!
PUBLICADO POR GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
3 comentários:
Por isso há muito que defendo a nacionalização da totalidade dos bancos em Portugal, e a transformação da banca em actividade sem fins lucrativos (para que os particulares e as empresas paguem o mínimo de juros possível e paguem o mínimo de custos bancários). Mas há quem ache que isso seria apenas nacionalizar os prejuízos da banca...
Como a banca - ao contrário de outras actividades - não se pode deslocalizar, os sindicatos e/ou comissões de trabalhadores da banca têm todos os meios para forçar a uma nacionalização da banca. Não seria altura para os partidos políticos com alguma influência nas organizações laborais usarem dessa influência para desencadearem esse processo de nacionalização?
Gostei do que li e concordo, mas sabe-me a pouco, pois o Estado é patrão dum banco, banco grande, e que eu saiba nunca o utilizou como travão do espírito papão dos demais, nem tão pouco para o aproximar estrategicamente das pequenas e médias empresas, e embora agora (muito recentemente) se levantem algumas vozes a questionar a politica do mesmo, vêm tarde, ou andaram a dormir, porque o seu papel era intervir atempadamente e duma forma preventiva, para fazer prognósticos no fim do jogo estamos cá nós, o Zé Povinho!!!
Numa economia de mercado, certamente ninguém iria pagar mais por serviços que outros colocam no mercado a preços vantajosos, por isso o êxito de alguns bancos privados tem como contra partida a falta duma politica de diferenciação do banco do Estado, ou não será?
Contudo este não foi só o Natal dos Banqueiros, pois fala-se de 1000 milhões de Euros gastos pelos Portugueses em prendinhas e tudo isto numa semana (ou coisa e tal), pelos vistos há muitos que não temem o desemprego, a falência do patrão, ou talvez o credito esteja fácil para eles…
Por vezes quando nos sentamos a escrever, até podemos “botar” uma prosa linda, que agrada a quem a lê, mas que não acrescenta um tostão no bolso dos muitos desempregados deste país, a prosa que conta é a dos decisores, que infelizmente está transformada em conversa mole…
É verdade o que o Francisco escreve sobre a CGD. Também aí seria o papel das organizações de trabalhadores impor ao Estado uma mudança de política. Já não haverá entre os trabalhadores da banca quem se preocupe com estas questões? Foram todos comprados?
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