A líder socialista viu sancionada a sua estratégia de aliança à esquerda e, depois de ter reorganizado o partido, ganha terreno na corrida interna à candidatura presidencial. Pela frente, deverá ter Ségolène Royal, derrotada por Sarkozy em 2008, mas que se reafirmou ontem como um valor para os socialistas, ao reconquistar a presidência da região de Poitou-Charentes, com 61 por cento dos votos." (in, Público on-line)
É sempre bom ouvir notícias sobre a derrota das políticas neo-liberais e dos partidos que as vão impondo! É também de saudar que essa derrota corresponda à vitória de uma convergência entre vários partidos de esquerda. As esquerdas só têm a ganhar se souberem dialogar e souberem convergir política e socialmente.
Mas valem alguns comentários:
- o principal partido da esquerda francesa, o Partido Socialista, convergiu com outras forças de esquerda, porque o governo é de direita e, como tal, está na oposição ... como seria se estivesse no governo?
- a convergência das esquerdas, será que corresponde a alguma convergência política, de propostas concretas e acções concretas, ou não passa de um arranjo eleitoral sem mais consequências? por exemplo, não estará o PSF só a pensar nas próximas eleições presidenciais?
- por cá, alguns militantes do PS de Sócrates têm saudado esta vitória das esquerdas em França ... mas quais são as semelhanças entre o PS francês e o PS português? quanto ao debate interno em ambos os partidos? quanto à disponibilidade para convergirem com outras forças de esquerda? quanto à existência formal de correntes/tendências organizadas? verdadeiramente alguma semelhança só existe se se poder comparar a acção de ambos os partidos quando estão no governo ... mas, na oposição, continuam a ser muito diferentes.
As esquerdas que convergiram foram o Partido Socialista, o Partido Comunista, o Partido de Esquerda (cisão do PSF) e parte dos ecologistas. Esta convergência, por politicamente pobre e pouco eficaz que o seja, correspondeu à actual vontade popular de oposição às políticas e ao governo de Sarkhozy. Um pouco por todo o lado onde a prática da chamada alternância dita a sucessão de políticas semelhantes praticadas por partidos diferentes, estas convergências têm muito mais a ver com a vontade conjuntural dos partidos dessa alternancia (como o PSF) do que própriamente com a urgência de se definirem políticas verdadeiramente alternativas , de mudança política e social.
Estas vitórias, quanto mais não seja, deverião ser um bom motivo para uma boa reflexão por todas as esquerdas ... as tradicionais, as novas, as mais-ou-menos,...
Os principais resultados, no plano nacional:
União da esquerda: 54,3% ; UMP (partido de Sarkhozy): 36,1% ; FN (extrema-direita): 8,7%
(fonte: Le Monde)
3 comentários:
Caro João,
Apesar de concordar globalmente com a tua análise e com as questões por ti expostas, aqui vai um pequeno comentário ao teu post sobre as eleições regionais em França:
1 - "As esquerdas que convergiram foram o Partido Socialista, o Partido Comunista, o Partido de Esquerda (cisão do PSF) e parte dos ecologistas".
A "parte dos ecologistas" à qual te referes é, nada mais nada menos, o movimento Europe Ecologie, que obteve 16% nas eleições europeias do ano passado (exactamente a mesma percentagem do que o PSF) e 12,3% na primeira volta destas eleições regionais, confirmando assim o lugar de terceira força política nacional. Fazer referência ao movimento Europe Ecologie como o fazes aqui, é quase como descrever o Bloco de Esquerda como um grupelho qualquer que obteve apenas 10.73% nas europeias de 2009, passando a ser apenas a terceira força política nacional (resultado que, infelizmente, não conseguimos reafirmar nas últimas eleições)...
2 - "Esta convergência, por politicamente pobre e pouco eficaz que o seja, correspondeu à actual vontade popular de oposição às políticas e ao governo de Sarkozy".
Eu bem sei que também aplaudes a convergência entre forças de esquerda. Aliás, começas por afirmar isso. Mas, a meu ver, é errado e simplista designar esse acordo como sendo "politicamente pobre e pouco eficaz", até porque se trata aqui de um acordo inevitável, consequência do sistema de escrutínio das regionais francesas.
Passo a explicar:
As eleições regionais francesas processam-se em duas voltas.
Aquando da primeira volta, cada lista faz campanha independente e com o seu próprio programa. O PSF obteve (a nível nacional) 30% dos votos e "Europe Ecologie", 13%.
A eleição fica resolvida à primeira volta se uma lista recolher a maioria absoluta dos sufrágios expressos e, nesse caso, a lista beneficia de um quarto dos lugares em disputa. Os restantes lugares são repartidos segundo um sistema proporcional, aplicando a regra da média mais forte entre todas as listas que tenham obtido pelo menos 5% dos votos.
Na falta de uma maioria absoluta na primeira volta, procede-se a uma segunda volta, em que participam as duas listas mais votadas no primeiro escrutínio e todas as outras que tenham obtido mais de 10% dos sufrágios.
As listas que tenham obtido entre 5 a 10% de votos na primeira volta podem fundir-se com as listas qualificadas para a segunda volta das eleições.
Posto isto, é importante perceber que o movimento Europe Ecologie (ou outros partidos que tenham obtido boas percentagens) não abdicou do seu programa por ter subscrito este acordo com os outros partidos da Esquerda francesa. Nas regiões em que obteve menos de 10% dos votos, teve sim que negociar lugares mas sem por isso abandonar os aspectos mais fulcrais que fizeram com que o seu programa fosse distinto do dos outros partidos concorrentes.
Repito, não se tratou aqui de uma coligação mas sim de um acordo nacional para apresentar listas conjuntas (e não programas conjuntos) em algumas regiões e apenas na segunda volta, com o objectivo de isolar a Direita francesa.
Não afirmas o contrário, mas aproveito para especificar que o PSF não ganhou as regiões sozinho: foi-lhe indispensável a ajuda da terceira força política nacional (a tal "parte dos ecologistas" de que falas) para chegar onde chegou ontem. Daí falar-se em vitória das Esquerdas.
Quanto ao Front de Gauche (PCF + Parti de Gauche + Gauche Unitaire), aqui sim, já se trata de uma coligação que apresentou um programa conjunto na primeira volta destas eleições...
Ao acordar esta manhã, a França - e os seus Conselhos Regionais - continuaram a ter uma Europe Ecologie bem distinta do PSF e dos outros partidos que integraram este acordo nacional. Uma Europe Ecologie cujo programa não é - e continua a não ser - o mesmo programa que o do PSF ou o do Front de Gauche...
Agora, como é óbvio, e como acontece em qualquer câmara, seja ela local, nacional ou internacional, há que haver consensos para tentar alcançar objectivos comuns. E é o que vai acontecer nos Conselhos Regionais entre os partidos desta união estratégica das Esquerdas cujos programas são, apesar de tudo, relativamente homogeneizáveis no que respeita às políticas regionais. Não te esqueças que não estamos a falar aqui de eleições legislativas e que, nas políticas regionais, tais convergências são raramente "pobres e pouco eficazes"...E sim, "as esquerdas só têm a ganhar se souberem dialogar e souberem convergir política e socialmente", sem por isso terem que pôr de lado as suas especificidades.
Abraço,
Marta Loja Neves
Bruxelas
Marta,
Agradeço os comentários e a pertinente informação sobre a realidade política francesa.
Abraço,
João Pedro Freire
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