tribuna socialista

segunda-feira, março 29, 2010

HÁ UMA ESQUERDA, HÁ UMA DIREITA, HÁ LUTA DE CLASSES!

A critica que por aqui se tem feito ao excessivo parlamentarismo da vida política, não pode nem deve ser confundido como uma critica abstracta aos partidos políticos e, muito menos, algo que passe por uma constatação de uma pertensa diluição dos conceitos de esquerda e de direita.

Há uma esquerda (com toda a sua pluralidade), há uma direita (também com toda a sua pluralidade), e, estes conceitos têm a ver com o posicionamento político de cada organização, corrente e individuos no processo de luta de classes. Porque há uma luta de classes!

Por mais "modernaço" (!) que se possa ser e que possa ser o quadro que se pinta, a luta de classes continua a ser determinada pelo posicionamento quanto às relações de produção. Há uma imensa massa de assalariados (e hoje ainda maior do que noutros tempos devido ao processo de proletarização das chamadas "classes médias") com interesses muito diferentes daqueles que controlam os meios de produção. E essas diferenças são o motor para se conseguirem mudanças sociais e políticas decisivas.

Quando se fala de "nação" não se é de direita, só porque é a direita que habitualmente é nacionalista. Da mesma forma que não se é de esquerda só porque se dizem duas frases simpáticas com preocupações sociais.

À esquerda e à direita, há programas e propostas globais que abordam todos esses conceitos. Pretender iludir estas questões não contribui para nenhum esclarecimento e só pode servir para alimentar discursos populistas.

Vem esta reflexão a propósito de algumas considerações de Fernando Nobre sobre "direita" e "esquerda". Considerações que considero pouco precisas e muito pouco contributivas para qualquer clarificação política e social.

O apelo da candidatura de Fernando Nobre à iniciativa cidadã não pode ser uma espécie de albergue espanhol para tudo e para todos. A iniciativa cidadã pressupõe democracia directa e participativa, para além da democracia representativa. Pressupõe partidos e o reconhecimento de grupos independentes de cidadãos. Mas esses partidos e grupos de cidadãos nunca estarão à margem do processo de luta de classes, por mais "independentes" que se designem e afirmem.

A critica legitima a um excesso de partidocracia que existe na sociedade portuguesa e em todas as sociedades de democracia liberal, tem de ser rigorosa e não pode ceder ao populismo fácil. A partidocracia é uma consequência de uma hiper-parlamentarização da vida política, a qual corta a possibilidade de participação por parte, não só de grupos de cidadãos independentes, mas também de organizações dos trabalhadores (ex.: comissões de trabalhadores) que vão perdendo poder de intervenção e de decisão. O liberalismo económico, assente num determinado modelo de empresas, criou também o seu homólogo social e político!

O apelo à iniciativa cidadã não está acima dos processos sociais, não está à margem da luta de classes, não pode ser o abrir de um imenso guarda-chuva para abrigar um qualquer albergue espanhol ...

3 comentários:

Nuno Cardoso da Silva disse...

Há certamente classes e há certamente uma luta de classes. Mas se esta é apenas determinada "pelo posicionamento quanto às relações de produção" já é discutível. Os pilotos da TAP têm uma percepção dos seus interesses classistas diferente dos bagageiros da mesma companhia e desencadeiam autonomamente os seus meios de luta. Apesar de serem todos eles trabalhadores por conta de outrém. Provavelmente Marx estava a ser excessivamente optimista quando achava que todos os trabalhadores tinham os mesmos interesses e pertenciam à mesma "classe", devendo ter um mesmo comportamento face aos detentores dos meios de produção. O quadro classista é capaz de ser mais complexo do que isso.

Por outro lado, numa eleição para Presidente da República, talvez seja excessivo procurar que as opções eleitorais sejam exclusivamente definidas por interesses de classe, e que o Dr. Fernando Nobre devia ser apenas o candidato dos "trabalhadores" na sua moldura marxista. Não esqueçamos que, na trilogia revolucionária francesa, para além da "Liberdade" e da "Igualdade" há também a "Fraternidade", e que o compromisso com esta última - fundamental para o equilíbrio das outras duas - pode ser determinante para uma opção eleitoral. Talvez o apelo à "cidadania" deva ser visto neste contexto e não num desejo de construir um qualquer "albergue espanhol".

E para que não haja confusões nem dúvidas, para mim o compromisso com a "Fraternidade" é tão determinante de um posicionamento de esquerda como o compromisso com a "Liberdade" e com a "Igualdade". O que me parece ser facilmente aceitável para quem se considera libertário.

Nuno Cardoso da Silva

João Pedro Freire disse...

Caro Nuno,

Ninguém está a pedir ao Dr.Fernando Nobre que seja um candidato dos "trabalhadores" ... embora também não viesse mal ao Mundo se isso acontecesse!
O que se pede é mais objectividade e rigor quanto ao seu posicionamento, para que o movimento da sua candidatura não passe de um salutar grito pela iniciativa cidadã, para uma espécie de albergue espanhol onde tudo cabe, unido pelo mais saloio populismo e/ou caudilhismo.
E se bem reparares há algumas "caras" que até nem se importavam nada ...

Nuno Cardoso da Silva disse...

Esta troca de impressões sobre classes leva-me a fazer uma reflexão de âmbito mais geral.

A actual crise económica e financeira - que o capitalismo não vai ser capaz de resolver - é o primeiro acto de um novo movimento de ruptura social (revolução, se quiserem) que vai colocar frente a frente duas grandes forças: de um lado a oligarquia capitalista, acompanhada pelos gestores mercenários que só pela mão dessa oligarquia pode aspirar a salários colossais e, do outro lado, todos os que vivem do seu trabalho e não pertencem à sub-classe mercenária referida.

Com efeito, a oligarquia capitalista não consegue sozinha gerir os seus impérios económicos, precisando de gestores assalariados principescamente pagos. Assim, prefere sacrificar uma pequena parte dos seus lucros fabulosos para aliciar os quadros de cuja competência necessitam.

Do outro lado estão todos os que vão empobrecer cada vez mais para manter o nível de rendimentos da oligarquia e dos seus sicários. Esse crescente empobrecimento vai criar as condições para que uma nova ruptura se venha a verificar. O problema está em acelerar esse processo e definir o quadro político e económico que deverá substituir este capitalismo à beira da falência.

Inevitavelmente só um sistema de auto-gestão por parte dos trabalhadores poderá pôr um fim ao capitalismo, sem gerar um novo capitalismo de estado, totalitário. Mas isso exigirá uma fase intermédia de nacionalização dos principais meios de produção, acompanhada de um processo de formação de trabalhadores para assumirem funções de gestão, e da transferência progressiva do poder de decisão para os trabalhadores.

Para que este processo se possa iniciar ainda antes do colapso do sistema capitalista, era necessário que algum partido político assumisse desde já esta transformação como objectivo político. Papel que poderia muito bem pertencer ao BE se os seus dirigentes compreendessem finalmente que é ese o único caminho a seguir. Enquanto continuarem a reduzir as suas exigências a questões secundárias, não só não ameaçam o poder capitalista como dão a impressão de apenas quererem um "capitalismo de rosto humano". Não serve de nada exigir a preservação de postos de trabalho e de salários se não se tocar no âmago da questão, que é o próprio sistema capitalista. Dentro da lógica do sistema capitalista, só é possível despedir trabalhadores e reduzir-lhes os salários. Insistir em que se disfarçam os sintomas sem atacar a doença, é pura fantasia.

Parece-me que está na altura do BE se assumir como verdadeira força de esquerda socialista, e se deixe de querer curar o cancro com aspirinas...