Manuel Alegre declarou ao Expresso:
"Tenho dificuldade em compreender o sentido político desta moção. (...) O país precisa de estabilidade"
E diz mais:
"Não quero acreditar que um partido de esquerda, por muito grandes que sejam as suas divergências, esteja interessado em substituir este Governo por um de direita"
"Estabilidade" e "esquerda" para Manuel Alegre não passam de figuras de estilo, abstractas e alheadas da realidade concreta.
A estabilidade de que Manuel Alegre fala, é a mesma de que falam os dirigentes dos partidos do centrão - PS, PSD/CDS - e só tem servido para políticas que acentuam a deterioração de vida das pessoas.
Esquerda para Manuel Alegre, parece que não tem nada a ver com um acção de mudança, de intervenção para mudar e, muito menos, para querer acabar com o sistema capitalista predador. Esquerda para Manuel Alegre parece ser o lado de um jogo, neste caso, o parlamentar. Só isso, mais nada!
Manuel Alegre, à semelhança dos partidos do centrão e dos comentadores de serviço, parece não entender para que servem eleições democráticas e a apresentação de uma Moção de Censura.
A apresentação de uma Moção de Censura, numa perspectiva de esquerda, não decorre de aritméticas parlamentares, de calculismos partidários, nem de suposições futuristas. A exigência de uma Moção de Censura, numa perspectiva de esquerda, decorre da objectividade da permanente deterioração das condições de vida dos trabalhadoes e da inexistência de condições políticas num dado quadro parlamentar para responder, com políticas adequadas, a essa deterioração. Uma Moção de Censura, uma vez aprovada, terá como consequência a realização de eleições. As eleições são sempre uma resposta democrática (seja qual for a sua expressão) e é o seu resultado que determina qual o governo que será constituido.
A apresentação de uma Moção de Censura pelo Bloco de Esquerda, não significa que se estejam a abrir "as portas à direita", só porque as sondagens apontam para isso. Sondagem é diferente de eleições! É simples mas, às vezes, é preciso lembrar ...
É preciso lembrar precisamente áqueles que se dizendo-se de "esquerda" só se ficam pelos jogos parlamentares e esquecem que as respostas democráticas também passam pela intervenção directa das pessoas. Manifestações, greves, desobediência civil, ... , são expressões democráticas de intervenção e de afirmação, tão legitimas como as eleições. Quem não percebe nada disto é que depois enche a boca com apelos abstractos à "estabilidade", acabando por abrir as portas à legitimação de políticas que nunca foram, não são, nem nunca serão sufragadas.
Nestes dias do movimento revolucionário espontâneo, popular e laico nos países árabes, faz todo o sentido lembrar que Ben Ali (na Tunísia) e Mubarak (no Egipto) também encheram a boca de apelos à "estabilidade" até ao dia em que foram apeados. Mais uma vez, essa "estabilidade" só servia para acentuar a deterioração das condições de vida das pessoas ... e as pessoas fartaram-se. Exigiram ter a palavra, exigiram que a sua vida fosse definida com a sua intervenção directa!
Manuel Alegre repete no pós-eleições presidenciais, o mesmo sentido de intervenção que teve durante a última campanha eleitoral: claramente pró-governo PS, abstracto na expressão do que entende ser "de esquerda" ...
Tendo apoiado Manuel Alegre, a direcção política do Bloco de Esquerda pode também agora constatar porque razão dividiu, como nunca, os militantes do Bloco de Esquerda. Nunca Manuel Alegre, com os mais do que evidentes compromissos e ligações que possui, poderia unir os bloquistas, quanto mais as esquerdas. A aparente defesa do "Estado Social" e dos "serviços públicos" por parte de Alegre, podemos agora voltar a constatar que é mera retórica, é abstracção e, ainda por cima, fica sempre condicionado a esse conceito pantanoso de "estabilidade".
A Moção de Censura que Francisco Louçã anunciou, depois de uma primeira hesitação, de muito calculismo e algum sectarismo face ao PCP, serve também para clarificar a trapalhada que foi o apoio da direcção política bloquista à candidatura de Manuel Alegre. Como também serve para voltar a demonstrar que, infelizmente, no Bloco de Esquerda, sobre decisões políticas importantes, primeiro fala o "líder", depois a direcção política e, só se houver tempo e interesse (para a direcção política!), é que os militantes são ouvidos.
A apresentação de uma Moção de Censura é muito importante, como sinal para todos aqueles que viram os seus salários cortados, as prestações sociais cortadas ou diminuidas, que estão no desemprego ou têm a vida precarizada. A estas pessoas interessam muito pouco os jogos parlamentares, as sondagens e os comentários dos mesmos nos mesmos canais televisivos, ... . Estas pessoas têm a sua vida instabilizada e infernizada com a "estabilidade" exigida pelos ditos mercados e aplicada com políticas de austeridade pelos seus paus-mandados, como são os partidos e politicos do centrão.
Uma Moção de Censura para essas pessoas é um sinal de esperança para que lhes possa ser dada a palavra. Seria bom que, no mês que falta até ao dia da apresentação da Moção, o grupo parlamentar e a direcção do Bloco desenvolvessem, junto do movimento sindical, junto das organizações dos trabalhadores, junto de todas as lutas que se venham a desenvolver, contactos e acções, devidamente divulgadas, para que a Censura ao Governo Sócrates seja também parte integrante da contestação social que já existe.
João Pedro Freire
1 comentário:
... de acordo com quase tudo...
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