É importantíssimo que a memória sobre a Guerra Colonial seja preservada para que as novas gerações saibam, com exemplos vividos, o que foi e o que representou.
Há 50 anos, eu tinha 3 anos!
Até aos 16 anos, juntamente com a minha Mãe, as minhas irmãs e o meu irmão, acompanhei o meu Pai, nas comissões militares, em Moçambique, em Angola e na Guiné-Bissau.
Lembro-me muito bem desses tempos e não tenho muita saudade deles. Porque foram momentos de angústia, de grande stress à espera que o meu Pai regressasse, que fizeram com que a memória ficasse bem gravada!
Sim, e eu tinha a idade que tinha!
Aprendi que a guerra colonial era uma guerra anacrónica, injusta, despropositada que só servia para manter em Lisboa uma clique fascista e nas antigas colónias uns quantos que viviam da exploração de mão-de-obra quase escrava.
Por exemplo, em Moçambique, quando lá estive, na zona das plantações de sisal, lembro-me que havia grandes proprietários que todos os finais de mês davam uma carga de pancada aos trabalhadores, expulsando-os, para depois recrutarem outros diferentes para o mês seguinte. E este cenário repetia-se, mês após mês …
Ou então, quando a mim – na altura, uma criança – alguns residentes dessas antigas colónias me chamavam a atenção para os pretos que não deveriam ser tratados por “senhor”, porque … eram pretos!
Tenho, no entanto, outras recordações boas. Do espaço familiar com carinho que os meus Pais sempre souberam criar, pese a envolvente de guerra, dos amigos que fui criando, de África com as suas paisagens com um cheiro especial, …
Eu cresci nesse ambiente e ao ritmo de um ano lectivo na “Metrópole” (como se dizia) e dois anos em qualquer colónia (o tempo de uma comissão militar) … esse ritmo também não deixa boas recordações, mas regista, para sempre, memória com traços fortes.
O momento mais marcante, até estruturante, desses anos foi, sem dúvida, o 25 de Abril de 1974 … o final da guerra é mesmo um sinal de libertação! E esse momento de libertação fica também gravado com os momentos de profunda alegria e felicidade que eu vi nos meus Pais, em todos os camaradas de armas do meu Pai e nos tais pretos que me diziam para não tratar por “senhor”.
A libertação que assisti em Bissau, testemunhei-a depois também nos momentos de conquista das liberdades, da democracia e na possibilidade do povo poder decidir e escolher o seu destino, quando regressei a Lisboa.
Por isto, a memória da guerra colonial deve ser preservada e apresentada, com exemplos concretos, às novas gerações. Até para que outras guerras possam ser combatidas … porque uma guerra é sempre uma sucessão de momentos angustiantes, traumatizantes e destruidores, que parecem infindáveis …
Obrigado ao Mário Tomé pelo seu excelente texto sobre a guerra colonial, colocado no Facebook.
João Pedro Freire
4 comentários:
Quando da guerra colonial, eu também teria uns 2 a 3 anos, e fui crescendo entre Angola e a dita Metrópole, a que vulgarmente chamávamos de “puto”... Em Luanda frequentei o Liceu Salvador Correia de Sá, liceu misto, aonde criei vários amigos; brancos, mestiços e negros... e nunca neguei as injustiças do regime, algumas muito idênticas às que por cá reinavam…
Os que por cá se dedicavam à lavoura, vendendo a sua “jeira” aos que tinham umas terras, viviam na mesma miséria dos trabalhadores da roça do café… os filhos de ambos andavam descalços, não iam à escola e baixavam a cabeça ou tiravam o chapéu quando passavam por alguns senhores…
Na pequena aldeia transmontana aonde nasci, dos meus 24 colegas da escola primária, mais de metade emigrou, por lá andam e por lá ficarão, juntos com outros familiares que já lá estavam desde a década de sessenta… na mesma década em que meu pai e vários conterrâneos foram para as ditas colónias… aonde a vida da grande maioria, pouco diferia da de muitos emigrantes Europeus (havia mais calor…), por isso no regresso de Africa, muitos nem por cá pararam, juntaram-se aos familiares emigrados nessas paragens, que rápido lhes estenderam a mão, e nem a recepção aos retornados foi diferente da dada aos nossos emigrantes Europeus, que para cá rumavam nas férias, eles eram apelidados de “avecs”, nós fomos apelidados de colonos, e de poucos ouvimos a frase “bem vindo meu irmão”…
Tantos anos após Abril, muitos colegas e amigos rumam novamente a Angola, procurando o ganha pão que por cá não encontram, por lá criam novas raízes e negócios, e de lá mandam notícias… e para minha grande satisfação, encontram nos Angolanos uma palavra de saudade em relação à maioria da população branca que por lá andou, infelizmente a comissão de serviço que muitos deram a esse país, não conta para a reforma…
Claro que por lá havia colonos, como por cá havia fascistas, caciques, latifundiários, e resmas bufos… estou certo que nesses tempos, a percentagem de colonos era bem inferior há das categorias referidas e instaladas nesta Metrópole à beira mar plantada …
Falando em guerra colonial e aqueles que fizeram várias comissões na Guiné, Angola e Moçambique era bom dizer que o faziam por vontade próprio e não era para favorecer o povo Português mas sim para aumentarem as suas contas bancárias, todos aqueles que por lá viveram e lutaram sabem a maneira de eles fazerem a guerra, que a muitos desses se devem algumas das muitas atrocidades cometidas nessas terras.
Não tenho por hábito responder a Anónimos ... mas no caso fica só este comentário: não sabe do que fala!
Os militares que estiveram na guerra colonial estiveram, a grande maioria deles, OBRIGADOS!
O 25 de Abril de 1974 foi também um murro na mesa, de BASTA, para uma guerra que não fazia NENHUM sentido, antes obedecia à lógica fascista-colonialista do regime do chamado "Estado Novo" .
Gostaria muito de utilizar esta suas recordações para um trabalho de história de 12º ano. O meu avô combateu na guerra, mas no entanto o meu pai apenas tinha um ano, por isso não me é possível recolher qualquer informação dele. Pedia a sua autorização para apresentar esta sua recordação no meu trabalho, com o seu nome claro. Aguardo resposta, muito obrigado
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