tribuna socialista

domingo, novembro 16, 2008

INDEX ? LÁPIS AZUL ? NÃO: ACÇÃO SOCIALISTA *


Testemunho de Carlos Paiva :


Index? Lápis azul? Não: Acção Socialista!

livro:
O Ensino Básico vai de mal a pior – uma abordagem pedagógica e política
(ISBN 978-972-591-746-6 Editorial Minerva)
Informações sobre o livro, nomeadamente a capa e contracapa: http://demalapior.no.sapo.pt


Tive dificuldade em arranjar um espaço para a sessão de lançamento do livro, quer um espaço cedido gratuitamente, nas bibliotecas municipais, quer um espaço escolar alugado. Esta é, pois, uma história que tem duas partes. Comecemos pela que se refere às autarquias.

A

Biblioteca Municipal Florbela Espanca, Matosinhos

6 de Outubro – Na Biblioteca informam-me que é possível utilizar o Auditório, uma vez que, para a data prevista para a sessão de lançamento do livro (25 de Outubro), ele se encontra desocupado, assim como para todas as Sextas-Feiras à noite, Sábados e Domingos de todo o mês de Outubro. Preenchi, de imediato, uma «ficha de reserva do auditório» e um «termo de responsabilidade» pela utilização da sala.

No dia seguinte entrego, na CMM, o requerimento, entretanto exigido. Refiro o nome do livro e junto uma cópia da capa e da contracapa. Os dias passam e não há meio de a resposta chegar. O que parecia simples e adquirido torna-se cada vez mais difícil. Várias vezes me dirijo à CMM e à Biblioteca. O vereador tem o requerimento com ele, mas não dá andamento ao assunto. Finalmente, depois de muito pressionar obtenho resposta: foi marcada, por ordem superior, uma actividade exactamente para o dia e hora que eu pretendia, o que, atendendo ao mapa de disponibilidades do auditório, não deixa de ser uma estranha, mas possível coincidência.

Verbalmente é-me sugerido que apresente o livro para ser examinado. Penso, entristecido, nos exames prévios da ditadura fascista. Repudio a afronta. Percebo que nunca terei autorização para realizar a apresentação do livro naquele espaço de cultura que deveria ser de todos. No entanto, entrego, imediatamente, logo nesse mesmo dia, 17 de Outubro, novo requerimento pedindo a cedência da sala para dia 24, 25 ou 26, durante os períodos em que o Auditório permanece desocupado. Junto fotocópia do índice. Por ele se percebe que teço críticas ao governo; há mesmo um capítulo intitulado «O Autoritarismo Governamental».

A resposta nunca chegou: o Auditório permaneceu inutilizado, vazio e silencioso todas as noites de Sexta-Feira, todos os Sábados e Domingos desse mês de Outubro, excepto das 14:00 às 17:30 do dia 25, em que se realizou uma acção de formação “Como Conservar os Nossos Têxteis”. Desocupados permanecem, igualmente, outros espaços alternativos geridos pela Câmara.

Poderá tudo isto ser apenas insensibilidade e incompreensão para com um acto de cultura que um lançamento de um livro inegavelmente constitui? Mas essa falta de sensibilidade e de compreensão é do responsável camarário pela Cultura. Poderá essa atitude ter outro nome que não seja incompetência?

Nem por acaso: na revista da CMM esse mesmo vereador afirma-se «Desgostoso com o rumo do jornalismo português, onde a ética e a deontologia ficavam cada vez mais guardadas na gaveta». Mais adiante afirma que «transformou o panorama cultural de Matosinhos, apostando na qualidade, no rigor e no respeito pelo público» e que foi vereador da Educação: uma pasta «de que gostei muito». Defende que «tem de haver qualidade e rigor», que «não há nem pode haver cedências à mediocridade», que a «Biblioteca Florbela Espanca é exemplar a nível nacional.» e que «Nós não procuramos fazer nem diferente, nem melhor. Procuramos fazer bem.» (Matosinhos, revista n.º 17, Outubro de 2008, pág. 4-6).

A incompetência não é razão suficiente para explicar o sucedido.

Fica a pairar no ar a atitude antidemocrática e censória que se exerce sobre um livro de que apenas se conhece a capa, a contracapa e o índice. Repare-se: o critério da qualidade do livro, critério legítimo a ter em conta, nem sequer pôde ser praticado. Foi substituído – tudo faz supor – pelo critério da existência de críticas ao XVII Governo, democrático, de maioria absoluta do PS: P de partido; S de socialista; d de democracia. O agente censório é o vereador da Cultura que se assume como paladino da ética e da deontologia!

Cada vez se torna mais evidente que, segundo a visão «democrática» do responsável pela Cultura da CMM, não serei autorizado a utilizar um espaço público camarário porque não apoio o partido a que o vereador pertence.

Trinta e cinco anos após o 25 de Abril, numa câmara onde o PS pode e manda, sob um governo de maioria absoluta PS, eleito através de um acto democrático, a censura é praticada sobre um livro de que apenas se conhece a capa, a contracapa e o índice. A cultura que não convém é arredada para o lado do não serve, a outra é ajuizada como boa. Os eleitos por um acto democrático tornam-se malabaristas da liberdade: voltam a empunhar o lápis azul que retiraram de uma gaveta onde talvez permaneçam mais alguns objectos atentórios da liberdade e do progresso.

Trinta e cinco anos após o 25 de Abril, tenta-se, com enorme despudor, preservar o poder através da censura cega, dura, retrógrada e primitiva, descendente em linha directa da censura fascista.

A demagogia e a hipocrisia andam à solta: não é surpresa nenhuma. O Senhor Vereador passeia-se, de braço dado com a ausência de vergonha de um lado e a impunidade sorridente pendurada no outro. Nesta Terra de Matosinhos, como noutras, entrevêem-se mares de censura no nosso horizonte democrático: o «Vereador da Cultura» é o vedor da propaganda e censura neste nosso – de todos – «Matosinhos, Terra de Horizonte e Mar».

A 3 de Novembro entrego novo requerimento solicitando esclarecimentos adequados sobre o facto de não ter sido autorizado a utilizar o Auditório da Biblioteca Municipal de Matosinhos quando ele permaneceu desocupado. A história ainda não foi dada por encerrada.


Biblioteca Almeida Garrett (CM do Porto)

O pedido é feito e imediatamente tratado. Não há disponibilidade para a data pretendida. A hipótese de ter havido uma desistência é verificada. Em quinze minutos obtenho resposta. Sou bem atendido, com eficiência e profissionalismo, ou seja, o meu pedido é tratado de forma correcta, o que merece o meu reconhecimento. Explico de outra forma: o profissionalismo e a correcção são tão raros que merecem uma distinção elogiosa. O que deveria ser banal, sem direito a nenhuma referência, por ser o tratamento esperado é, cada vez mais, uma raridade. O tratamento incorrecto, que assume formas de maior ou menor corrupção é tão vulgarizado que se torna a regra geral. Não é uma clara e perigosa inversão de valores que mostra, à evidência, a podridão contaminante que a nossa passividade ou indiferença permitem e de que muitos se alimentam?

B

Escola Secundária do Padrão da Légua

O Conselho Executivo não autoriza o aluguer das instalações para a sessão de lançamento do livro. É claramente afirmado – verbalmente – que a razão da não autorização está no título e no que se afirma na contracapa do livro.

A 22 de Outubro entrego dois requerimentos pedindo para colocar, na Sala dos Professores, um cartaz e alguns pequenos folhetos anunciando a sessão de lançamento do livro, entretanto marcada para o dia 25, na Escola Secundária Augusto Gomes, em Matosinhos. Cinicamente, as autorizações chegaram, por correio electrónico, no dia 27. Requeiro autorização para afixar essas mensagens, juntamente com o cartaz e os folhetos. Não obtenho resposta.


Escola Secundária da Senhora da Hora

22 de Outubro: uma professora obtém autorização, de um elemento do Conselho Executivo, para colocar na Sala dos Professores umas pequenas tiras de papel anunciando a sessão de lançamento do livro. Nelas figuram o título e um extracto do que vem na contracapa. Alguns minutos depois o Vice-presidente desse mesmo órgão que tinha autorizado a colocação da informação vai ao encontro da professora dizendo que ela não tinha autorização para colocar «aquilo» na escola, nem sequer para estar naquele espaço e que estava a invadir as instalações. Ordenou que se retirasse, imediatamente.

22 de Outubro de 2008, 35 anos e 6 meses após o 25 de Abril, sob um governo democraticamente eleito, há pessoas que estão à frente de escolas públicas que não autorizam actividades que têm a ver com um acto associado a cultura, ao saber, à liberdade de expressão e portanto à democracia. Estes atentados passam-se em locais onde se formam jovens e se transmitem valores e quem, de forma activa, assim age são professores que dirigem estabelecimentos de ensino.

Na nossa democracia estabilizada, há valores que, perigosamente medram, e têm crescido.
Há formadores de cidadãos, que dirigem estabelecimentos de ensino públicos que não vêem inconveniente em proibirem o que prevêem que possa não agradar a este Governo PS. Pensam que nada lhes pode acontecer de mal pelo facto de exercerem uma acção proibitiva, atentória dos valores democráticos. Mas a questão é muito mais grave: quem assim conscientemente age está convencido que poderá ser prejudicado pelo facto de respeitar os valores da liberdade e da democracia e não o será se os desrespeitar. Podem até prever benefícios pelo facto de não autorizarem alguma coisa que critique o governo. São estes alguns dos valores que o governo e muito particularmente o Ministério da Educação promovem de forma activa – trinta e seis anos e seis meses após os cravos que floresceram em Abril. A situação está analisada, com tristeza e algum detalhe, no livro.

Podem-se mostrar requerimentos entregues ilustrativos dos factos assinalados.

(*) Carlos Paiva

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