Uma proposta para ser discutida ! Uma proposta para uma candidatura de afirmação anti-capitalista, democrática e socialista, à qual se associa o TRIBUNA SOCIALISTA. Todos os comentários serão benvindos!
Quem se der ao trabalho de ler atentamente a Constituição da República facilmente consegue refutar as interpretações minimalistas quanto aos poderes presidenciais e demonstrar que, ao contrário do que é dito nos meios políticos e pela comunicação social, o Presidente da República dispõe de poderes suficientes para intervir activamente nas grandes opções políticas em áreas essenciais na economia, nos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.
A direita política que defende os interesses das grandes empresas e do grande patronato odeia e despreza a Constituição da República.
É que a nossa lei fundamental, mãe de todas as leis, apesar das sucessivas revisões aprovadas pelo bloco PS/PSD, resistiu e continua a impor, no essencial, o projecto político que nasceu da revolução social do 25 de Abril. Projecto este que se inspirou em ideias e ideais defendidos pelas diferentes sensibilidades de esquerda que convergiram, sob a pressão dos movimentos sociais, na redacção do documento aprovado pela Assembleia Constituinte em 1976.
A nossa Constituição é uma lei que continua a impor que o país seja governado à esquerda e esse facto explica o ardor militante dos sectores neo-liberais de direita contra esta lei fundamental. Essa imposição explica também por que é que muito do que lá está escrito foi sistematicamente ignorado durante os longos anos de governo neo-liberal PS/PSD.
Porque os poderes constitucionais do Presidente lhe permitem influir decisivamente na escolha de prioridades que defendam a soberania de Portugal e o Estado Social, ambos ameaçados pelos sucessivos PEC’s impostos pelo eixo Berlim/Bruxelas, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.
São um momento privilegiado para o debate e a discussão política, sem sectarismos, acerca das soluções necessárias ao ressurgimento social, económico e cultural do país e à sua independência.
Neste debate e para que o povo possa votar em consciência, impõe-se que existam alternativas claras ao actual estado de coisas.
Ora, a lista dos candidatos anunciados ou pré-anunciados não garante de modo nenhum que tal debate venha a acontecer, por que nenhum desses candidatos traz nada de novo.
Cavaco Silva e Manuel Alegre, apoiados pelo bloco PSD/PS são os candidatos do PEC e da submissão aos desígnios do grande capital e dos seus agentes, os quais estão por detrás dos burocratas de Bruxelas e do directório de países comandados pela Alemanha.
São também candidatos do Ricardo Espírito Santo e do capital financeiro português que tem usado os recursos do país a seu belo prazer, que tem manipulado os consumidores com promessas de crédito fácil e que asfixia as famílias e as pequenas e médias empresas que constituem mais de 95% do tecido empresarial português.
São candidatos que garantem apenas a continuidade da ditadura PS/PSD, construída em nome duma falsa alternância e ao serviço de comparsas bem identificados.
A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:
1. A captura do Estado pelos interesses das oligarquias dominantes com o consentimento de Governos conduzidos por políticos medíocres, incompetentes, sem convicções e que faltam à verdade.
2. O aumento da corrupção ao longo das últimas três décadas, em paralelo com o monopólio do poder exercido pelas Direcções do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, monopólio esse que tem promovido e protegido redes de interesses que se alimentam da promiscuidade entre as funções do Estado, a política e os negócios privados.
3. A asfixia e manipulação da economia pelo poder arrogante dos bancos, pela especulação bolsista, pela prevalência dos interesses de grandes empresas cujos desígnios estão representados nos gabinetes do Estado, pela desenfreada exploração e as discriminações de muitos trabalhadores e trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a incapacidade da justiça em fazer prevalecer o império do Estado de Direito.
4. A lei da precariedade que passou a reger as relações laborais, o mercado do trabalho e do emprego e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para a emigração.
5. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.
Manuel Alegre e Cavaco Silva simbolizam as duas faces responsáveis por esta triste realidade a que o país chegou.
Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança que mobilize as energias do país, as energias e o empenhamento dos homens, das mulheres e dos jovens.
São candidatos conformados, candidatos engravatados e fechados nos seus casulos, à margem das aspirações e das inquietações do povo.
São candidatos que se conformam com o desemprego, com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.
São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos colocariam na primeira linha das suas preocupações o combate ao deficit, em detrimento do apoio a uma economia social, solidária e ecológica.
Ora, há alternativas à ortodoxia neo-liberal e à prioridade do combate ao défice. Nenhuma teoria económica consistente conseguiu demonstrar de forma incontestável essa prioridade.
O economista João Ferreira do Amaral, por exemplo, manifestou-se recentemente “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.
Mas este debate sobre os PEC’s, sobre o défice, sobre o Estado Social, deverá ir mais longe, deverá incluir a viabilidade de estratégias que considerem os cenários de uma saída do euro e/ou da UE.
Como explicou também João Ferreira do Amaral, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? O que é ganha hoje Portugal com o euro?
É prático, quando se viaja nos países da moeda única, não se precisar de trocar moeda. É verdade que é prático.
Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que, se esperava, fossem garantidas pelo euro, não passaram de uma miragem e essa moeda revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.
Diziam os economistas servos do capital, quando a crise começou no Verão de 2008, que, felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo. Estávamos no euro...
Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?
No meio dos escombros da União Europeia podem-se vislumbrar actualmente três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.
Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais e internacionais, da criação de novos espaços geopolíticos.
Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
PORQUÊ UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA?
É um debate que se impõe no momento presente e as eleições presidenciais serão o momento adequado para que tal aconteça.
Mas tal debate só acontecerá se a essas eleições se apresentar um candidato com um programa de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.
Um programa de esquerda que interpele a sociedade com novas questões e que proponha alternativas e soluções ousadas mas possíveis. Que intervenha em nome de uma esquerda inventiva, capaz de identificar prioridades que defendam a liberdade individual e a soberania política, a criação de riqueza e a prosperidade, a justiça e a solidariedade.
CONTRA AS DESIGUALDADES E AS DISCRIMINAÇÕES
São conhecidas as principais vítimas das desigualdades e da exclusão social: os pobres, os idosos, os imigrantes clandestinos, os trabalhadores precários, os desempregados.
São conhecidas as principais vítimas de discriminação e de prepotências: as mulheres porque sofrem violências, porque auferem salários inferiores aos dos homens para trabalho idêntico, porque nas empresas não são promovidas a lugares de chefia, os trabalhadores que têm que se submeter às vontades dos seus patrões ou dos seus chefes e cujos direitos são desrespeitados, os jovens que trabalham por baixos salários e sem contrato, os homossexuais.
A pobreza quase sempre se transmite de pai para filho. Quase sempre, tudo começa na escola. Essa é a fonte de muitas desigualdades para toda a vida. Mas a luta contra o insucesso escolar não se resolve com falsas aprovações, isso é uma hipocrisia que só ajuda as estatísticas oficiais. As crianças e os adolescentes de famílias pobres não podem ser abandonados à sua triste sorte. Cabe à escola mudar o seu destino. Como? Pondo as escolas ao serviço dessas crianças e adolescentes, orientá-los, apoiá-los até ao final dos seus estudos.
Cada escola deve ter, para além dos docentes, especialistas que sejam provedores dos alunos em dificuldade, que os acompanham, que fazem intermediação entre a escola e os pais, as famílias. Nos agrupamentos escolares, deverão constituir-se equipas multidisciplinares para a convivência escolar, com docentes, um psicólogo, um assistente social e um educador social.
A frequência de um estabelecimento pré-escolar deve ser gratuito e começar para todas as crianças aos três anos, porque essa idade - é o que dizem os especialistas - é a idade decisiva na aquisição dos instrumentos mentais para o conhecimento. Todas as crianças devem poder ter acesso a uma creche pública a partir dos dois meses de idade.
São medidas a favor das crianças mas também dos pais, que precisam de ser ajudados a conciliar a vida profissional com as suas obrigações familiares. São medidas a favor de um direito essencial que é o direito de ter filhos, de procriar.
Os jovens são as principais vítimas do desemprego, vítimas porque levam cada vez mais tempo a conseguir um emprego certo, vítimas porque muitas vezes trabalham sem contrato e facilmente são despedidos, vítimas porque só depois de terem tido um emprego é que podem beneficiar do subsídio de desemprego.
O desemprego e a precariedade juvenis constituem uma mancha social vergonhosa, inaceitável numa sociedade democrática. A sociedade tem a obrigação de garantir a cada jovem que termina a sua formação um emprego estável num prazo razoável, um emprego que garanta a sua autonomia e, se for essa a sua vontade, a constituição de uma família. Disto depende a sucessão das gerações e a renovação e o progresso social. É uma absoluta prioridade de esquerda.
A pobreza quase sempre acompanha a velhice. O governo socialista, na sua hipócrita demagogia criou o complemento solidário para idosos, mas ao mesmo tempo aumentou a idade da reforma e diminuiu as pensões dos futuros reformados. E agora, recorrendo aos falsos argumentos da luta contra o deficit, acabou com muitas das prestações sociais que estavam em vigor.
A reforma da Segurança Social e das pensões, tão elogiada pela comunicação social e pelo patronato, além de prepotente, é responsável pelo aumento das desigualdades e é discriminatória.
É prepotente porque mudou as regras do jogo e retirou aos trabalhadores direitos que há muito estavam consagrados e que, por isso, deviam ser respeitados.
Aumentou as desigualdades, porque fez diminuir as pensões de quem menos pode.
É discriminatória porque não prevê que todos aqueles que exerceram profissões de maior risco possam aceder mais cedo à reforma, com plenitude de direitos.
A lei deve ser reformulada, validando formas de atribuição das pensões de reforma que tenham em conta a penosidade do trabalho. Por outro lado, o estatuto de reformado não pode pôr em causa o direito ao trabalho.
Deve-se promover o envelhecimento activo, incrementando a formação ao longo da vida, a melhoria das condições sanitárias e do sistema de cuidados médicos e a integração social dos mais idosos, quer através de redes adequadas de apoio social, quer através da conciliação da situação de reformado e o exercício a tempo parcial de uma profissão a quem o desejar e tenha meios pessoais para isso. Deve-se ultrapassar a ideia de reforma-guilhotina, a qual implica que, chegados a um determinado limite de idade, homens e mulheres sejam obrigados a partir para a inactividade.
O combate pelos direitos sociais contra a injustiça, contra as prepotências e as descriminações deve ser um trabalho da Justiça. Que faz actualmente a Justiça para defender os mais fracos?
Muitos trabalhadores são vítimas de prepotências dos patrões e ninguém os defende. Em muitas empresas, mulheres, por ficarem grávidas, são despedidas. Quem as defende? A inspecção do trabalho, os tribunais?
Devem ser instituídos tribunais de trabalho arbitrais paritários, segundo o modelo francês dos conselhos de prud’hommes. Estes tribunais serão constituídos por igual número de representantes dos trabalhadores e das empresas do sector público, do sector privado e do terceiro sector e terão por funções regular, quer através de conciliação, quer de julgamento, litígios individuais relativos à aplicação dos contratos e das leis do trabalho. Os representantes dos trabalhadores serão designados por eleição em processo simultâneo e nacional para cada conselho, a que concorrerão listas elaboradas por sindicatos, respeitando o princípio da igualdade de género. Deverão ser fixados conselhos arbitrais por área de actividade económica e por área territorial (distrito, por exemplo) e cada tribunal organizar-se-á em secções, sendo obrigatória a existência de uma secção que julgue as reclamações sobre desigualdades salariais entre homens e mulheres.
Os actos de discriminação motivados por “razões” baseadas no género, na idade, na etnia, na orientação sexual ou em qualquer outra devem ser devidamente punidos e as vítimas devem ser ressarcidas e ser-lhes restituído o usufruto dos seus direitos. Para que tal aconteça, deverá ser criado um tribunal especializado com jurisdição particular contra qualquer forma de discriminação. A esta jurisdição podem recorrer imigrantes sem autorização de residência, mas que façam a prova testemunhal de que trabalham.
UMA ECONOMIA SOCIAL E ECOLÓGICA
O desenvolvimento económico deve ser social e ecológico, deve subordinar-se aos direitos sociais e à preservação dos recursos naturais.
Uma forte consciência social e uma nova consciência ecológica não podem tolerar a lógica do desperdício do consumismo e as escandalosas desigualdades entre quem tudo tem e quem nada tem.
O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade.
Nenhuma actividade empresarial, seja financeira, seja económica pode pôr em causa os imperativos sociais e ecológicos, pode estar acima da lei e do interesse colectivo. Qualquer actividade económica ou financeira deve ser estritamente regulada e atentamente supervisionada por autoridades emanadas das instâncias democráticas e os culpados de delitos graves deverão ser punidos de maneira proporcional à gravidade dos crimes que cometeram. Não pode continuar a haver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Uma justiça justa e célere combate as desigualdades e ajuda ao desenvolvimento económico.
O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante de qualquer sociedade. A garantia de emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos a alcançar por uma política de esquerda.
Os imperativos sociais e ecológicos do novo modelo de desenvolvimento económico não podem permitir que o Estado distribua a fundo perdido, como tem sido feito, milhões de euros para salvar indústrias obsoletas, poluidoras ou para financiar empresas descartáveis que vão à falência ou são facilmente deslocalizáveis em obediência a interesses particulares e à ganância patronal de lucros cada vez maiores.
A poluição automóvel, por exemplo, que envenena as cidades e as torna desumanas, deverá ser firmemente combatida e a indústria automóvel deverá ser reconvertida, o seu peso social e económico redimensionado e a dependência em relação ao petróleo drasticamente reduzida. Às empresas poluidoras deve ser cobrada uma taxa proporcional à gravidade dos prejuízos ecológicos causados.
A produção agrícola e as pescas devem ser reabilitadas e economicamente viabilizadas, no respeito pelos direitos sociais e pelas exigências ecológicas. Assalariados, agricultores, pescadores, consumidores podem e devem-se unir e cooperar no estabelecimento de circuitos e de parcerias de produção e de distribuição de bens alimentares de qualidade e de preço acessível. Fora dos circuitos das grandes superfícies e hipermercados.
O novo modelo de desenvolvimento a defender por uma candidatura presidencial de esquerda deverá ser anti-consumista e anti-produtivista, deverá subordinar-se ao direito ao trabalho e ao pleno emprego, mas também ao direito ao lazer, incluindo a prática desportiva em todas as idades, e ao direito à formação e à cultura, à felicidade e à realização pessoais ao longo do ciclo de vida de cada um, na infância, na adolescência e na juventude, na idade adulta e na idade sénior.
Pleno emprego e trabalho para todos são exigências essenciais que implicam a partilha do trabalho e trabalhar menos horas.
O capitalismo na sua fase actual atingiu uma fronteira para além da qual só existe um abismo suicida que poderá arrastar a Humanidade para uma guerra global.
Por isso, tem que ser travada definitivamente a engrenagem capitalista que assenta na exploração, sem quaisquer limites éticos ou considerações sociais e ecológicas, dos recursos naturais e da força de trabalho. Uma engrenagem determinada cegamente pela ambição paranóica do crescimento ilimitado, sem fim, dos lucros e do poder do dinheiro.
Para muitos capitalistas, os pobres não existem, os trabalhadores são descartáveis. Ora, o direito de propriedade não é um direito de vida e de morte, é um direito com deveres para com a sociedade, inclusive, deveres de solidariedade para quem trabalha e para quem precisa.
No modelo de desenvolvimento baseado na economia social e ecológica, o terceiro sector deverá desempenhar uma função crucial.
Entre o sector público, que deve ser regulado pelas instituições democráticas e o sector privado, que deve ser regulado pelo mercado e pelas leis da República, o terceiro sector pode ocupar-se de uma multiplicidade de actividades úteis à sociedade e à coesão social, que não se enquadram nem nas lógicas estatais nem nas regras mercantis.
Mas os três sectores podem conviver e até cooperar, a bem do desenvolvimento e da prosperidade. O sector público e o terceiro sector estão naturalmente vocacionados para actividades de carácter colectivo e solidário. Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve tender para assumir valor social, também o sector privado deve reger-se por finalidades solidárias e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada, quando for caso disso, em função dos seus contributos e práticas sociais.
Entre o Estado e o sector privado, a bem da ética política, da economia e da justiça social, as relações devem ser rigorosamente transparentes. É, por isso, imediatamente urgente terminar com a promiscuidade entre dirigentes políticos e negócios privados. A lei deve ser severa e impedir que quem exerce ou tenha exercido funções governativas possa transferir-se com armas e bagagens para empresas privadas que concorram a concursos públicos ou que beneficiem de subsídios ou de financiamentos públicos. Os contratos com empresas privadas deverão ser do conhecimento público e aprovados por adjudicação em concurso público.
A Caixa Geral de Depósitos, por ser uma banca pública, tem de apoiar a economia do terceiro sector, quer concedendo crédito proporcionado às capacidades das empresas sociais, quer desenvolvendo a prática do micro-crédito a pessoas envolvidas em iniciativas de auto-criação de emprego, quer fornecendo assessoria financeira gratuita.
O terceiro sector privilegia as relações entre pessoas, os direitos sociais, a ausência de dominação patronal e uma nova relação meramente utilitária aos bens e ao dinheiro a favor da ambição mais alta de cada um ser solidário e livre de expandir as suas competências.
A economia do terceiro sector é uma economia solidária, social, promove
o emprego, a inserção profissional dos jovens, ajuda as pessoas de fracos recursos ou com dificuldades, promove trabalhos de protecção do ambiente no seio de associações cívicas, gere escolas e actividades artísticas e de cultura.
O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente. Nele podem integrar-se cooperativas de produção, cooperativas de distribuição associadas a produtores e a cooperativas de consumo, cooperativas de ensino, culturais e artísticas, associações sociais.
O terceiro sector promove também a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.
Nos casos de empresas em processo de falência, deve ser reconhecida legitimidade aos respectivos trabalhadores para convocarem a intervenção do Estado com vista à transferência dessas empresas para um regime de propriedade social, sendo simultaneamente avaliada a viabilidade económica do projecto que apresentam para salvaguardar os postos de trabalho, quer seja no sector de produção em que a empresa funcionava, quer seja em nova área.
Com vista à reconversão de empresas em falência ou à criação de novas empresas, a funcionarem em regime de economia solidária, os produtores interessados deverão apresentar propostas e estudos de viabilidade, sendo nessa tarefa apoiados por universidades ou por politécnicos, por serviços técnicos do Estado ou por associações devidamente acreditadas e apoiadas pelo Estado.
As empresas de economia social dotar-se-ão de órgãos representativos, os quais designarão os seus órgãos de gestão e decidirão sobre todas as questões essenciais, como sejam tabelas salariais, actividades sociais e culturais e aplicação dos lucros em reinvestimento nas próprias empresas e em fundos de solidariedade.
POR UMA SOCIEDADE DO SABER E DA CULTURA
O conhecimento, a ciência, a educação e a cultura são as principais alavancas da criação de riqueza numa sociedade moderna, justa e igualitária.
Em Portugal, os níveis de literacia, de conhecimento científico e de informação cultural são ainda muito baixos. Em grande parte, esse défice deve-se ao mau funcionamento do sistema de ensino.
A política de numerus clausus, em vigor desde há trinta anos, travou a expansão do ensino superior e tem retirado a muitos jovens, principalmente das famílias com menos recursos, a possibilidade de perfazerem uma formação mais qualificada.
A política do governo socialista em relação à investigação científica teve aspectos positivos, que devem ser aprofundados no respeito da liberdade de pensamento e de investigação e da mobilidade e da cooperação entre centros de investigação, nacionais ou extra-nacionais.
No ensino superior, foi destruído o modelo de gestão democrática, que integrava estudantes, docentes e funcionários de pleno direito e sem descriminações na vida colectiva das instituições. Foi destruída a autonomia universitária.
O modelo de gestão democrática foi substituído pela lei do regime jurídico das instituições do ensino superior que promove a lei do mais forte e abriu as portas a interesses privados. Esta lei deve ser revogada, a democracia deve regressar às escolas, a autonomia universitária e o carácter público do ensino superior devem ser preservados.
A aplicação do protocolo de Bolonha contribuiu para desvalorizar os diplomas de licenciatura, aumentou a selecção social, não introduziu qualquer melhoria nas condições e no trabalho pedagógicos. O número de alunos por turma aumentou, a qualidade do aproveitamento escolar diminui. Foram criadas distorções burocráticas inaceitáveis que só dificultam a vida das escolas e são fonte de desperdício dos recursos humanos.
Deve ser feito um balanço de toda a experiência pós-bolonha, as instituições devem ouvir estudantes, docentes e funcionários, deve ser feita uma avaliação antes de se proceder a alterações, as quais são inevitáveis.
A política de numerus clausus deve ser revista. Porque compete ao Estado preparar o futuro, investindo na qualidade das novas gerações, o ensino público, em todos os graus, deve ser gratuito. A política de propinas deve ser revogada, sendo os custos do ensino superior público integralmente suportados pelo Estado. Devem ser instituídas normas de financiamento público que sejam transparentes e sirvam à promoção de um ensino de alta qualidade.
No ensino não-superior, chegou-se a uma situação insustentável, em que muitos professores se declaram desmotivados para ensinar.
A gigantesca burocracia do Ministério da Educação tem que ser reduzida à sua expressão mais simples, devendo ser confinada à gestão administrativa e deixando às escolas a competência de, em parceria e em diálogo e troca de experiências, definirem as tarefas pedagógicas, a organização da sua vida interna e a avaliação e a promoção dos seus docentes. Num regime de saudável competição entre escolas públicas e com as escolas privadas, é preciso dar espaço à criatividade, ao mérito, à liberdade. É o futuro do país que se joga nas salas de aula.
À luz destas mudanças, poderá admitir-se que algumas escolas, desde que com base em projectos sólidos do ponto de vista pedagógico e da qualidade das competências dos seus proponentes se organizem em autogestão, em cooperativa, em regime a definir pelas instâncias democráticas.
Prioridade absoluta ao investimento na cultura, prioridade à criatividade artística, à promoção do bem falar, da expansão da língua portuguesa. No mundo que será cada vez mais global, precisamos das artes e da cultura, do cinema e da televisão, da literatura e do teatro, da música erudita e da música popular, da arquitectura, para afirmarmos a nossa identidade, para sermos reconhecidos e valorizados.
A cultura não vende coisas mas aumenta os nossos capitais pessoais e colectivos. Aumenta a nossa auto-estima enquanto povo, leva-nos ao reconhecimento dos outros, a abrirmo-nos ao mundo como se abriram os portugueses de quinhentos. Leva-nos a ser cosmopolitas. Preparemos gerações cosmopolitas para o futuro, gerações capazes de competir no mundo global.
DEFENDER E MELHORAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS
Uma das principais responsabilidades do Estado é assegurar a toda a gente a prestação de serviços básicos essenciais: água, gás, electricidade, saúde, educação, justiça, transportes.
A histeria privatizadora, de que são responsáveis os partidos gémeos neo-liberais, socialista e social-democrata, subtraiu ao sector público a electricidade, o gás e os transportes e enfraqueceu o Serviço Nacional de Saúde. Apesar dos projectos que existem com esse fim, o governo socialista não teve coragem para privatizar a água. Mas tentativas não faltarão.
Quando à Justiça é o que se sabe. A Justiça é lenta, é incompetente, está fechada à sociedade, em particular, às classes populares. A maioria dos juízes funciona como uma casta. Como órgão de soberania que são, deverão ser avaliados pelo seu desempenho, não podem estar acima da lei, têm que ser responsabilizados pelos seus actos.
Na reforma do sistema judiciário, deverão ser previstos órgãos de acompanhamento e supervisão dos actos dos agentes da justiça, que integrem representantes da sociedade civil.
Sabemos que o acesso à saúde é hoje mais difícil, é outra fonte de desigualdade social. Os mais pobres, os que vivem nas periferias urbanas ou no interior têm ao seu dispor serviços que ficam longe, que funcionam mal, que não funcionam sempre.
Em nome de uma suposta racionalidade, obviamente economicista, fecharam-se centros de saúde, centros de atendimento, maternidades.
A saúde não pode ser tratada apenas nos hospitais, tem que ser feito um esforço concertado entre o Estado e instituições e técnicos competentes na prevenção da doença, na aquisição de hábitos de vida saudáveis e na inspecção mais rigorosa e permanente às condições de trabalho. A doença tem demasiados custos, nomeadamente, financeiros. Preveni-la, evitá-la é uma questão de racionalidade.
O Serviço Nacional de Saúde descrimina as pessoas vítimas de doenças raras, não lhe prestando os cuidados de que necessitam, o que é totalmente inaceitável.
As pessoas portadoras de deficiência devem ser objecto de cuidados e de atenção muito especiais por parte do Estado.
Estas pessoas têm necessidades específicas, em muitos casos, comuns a diferentes grupos sociais e etários. As barreiras arquitectónicas, por exemplo, dificultam a acessibilidade de jovens e de menos jovens.
O acompanhamento às famílias com dependentes deficientes impõe-se com uma acuidade cada vez maior, se tivermos em conta que a proporção de idosos dependentes tem vindo e vai continuar a crescer.
A inserção profissional de deficientes é um direito que compete ao Estado assegurar em todas as suas vertentes. Caso contrário, o Estado será o responsável por situações de exclusão social.
A política de transportes é outra política errada desde há muitos anos. Deixámos de ter uma rede ferroviária nacional, acabou-se com os eléctricos urbanos, que foram substituídos por autocarros barulhentos e poluidores. Na mobilidade urbana, principalmente das áreas metropolitanas, os transportes públicos são uma gota de água. Numa época de crise energética e de aquecimento global, continua a reinar o automóvel particular.
Os centros das cidades devem ser reservados a transportes públicos frequentes, em quantidade e confortáveis. O preço dos passes sociais deve baixar para as pessoas com menos recursos.
Para se aumentar a mobilidade individual sem se sobrecarregar o ambiente, o investimento público nesta área deve ser substancialmente aumentado, subordinando-se a critérios ecológicos estritos. O investimento, proporcional às disponibilidades financeiras do Estado, no transporte ferroviário de pessoas e de mercadorias é, para o futuro, uma prioridade absoluta.
CRIAR NOVAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E TERRITORIAIS
A população portuguesa está em declínio e isso deve-se à baixa natalidade, que acelera o envelhecimento. Estamos confrontados com um declínio demográfico cuja origem é o declínio social.
O acentuar do declínio demográfico é um problema grave principalmente no Interior. Esta evolução deve ser enfrentada pela esquerda como uma urgente prioridade política.
As causas do declínio demográfico do interior são conhecidas: é a sangria iniciada nos anos 60 com a emigração para a Europa, o contínuo êxodo rural para as zonas urbanizadas do litoral, a falta de alternativas económicas ao desaparecimento do modo de vida rural.
Ora, o interior e todas as zonas desertificadas possuem boas condições naturais para a fixação de população, em particular, de jovens que aí poderiam constituir família e educar os seus filhos em condições muito mais favoráveis do que aquelas que existem nas áreas urbanas sobrelotadas.
São as novas gerações que podem contribuir para desconcentrar as zonas urbanas e povoarem o interior em vias de desertificação. Assim lhes dêem meios para isso.
A população do interior está a desaparecer sob os nossos olhos, o interior continua a envelhecer e, ao mesmo tempo, as suas florestas e muitas aldeias continuam a ser devoradas pelos incêndios. De quem é a culpa? Do centralismo que concentra grandes investimentos no litoral e nas áreas metropolitanas, que promove a concentração urbana e despromove a qualidade de vida de quem lá vive. E que esquece o interior, ou seja, cerca de 2/3 do território nacional.
Os governos centrais têm sido incompetentes, distraídos quanto às implicações desta situação que continua a agravar-se. Será por estarem longe das comunidades, das aldeias, das cidades, das escolas, das empresas do interior? Em todo o caso, é necessário abrir espaço e oportunidades à criatividade e à livre iniciativa de quem está no terreno e se empenha no progresso da sua terra ou de quem pretende emigrar para o interior.
Será necessário regionalizar? É uma questão que merece ser debatida quanto às vantagens e inconvenientes da criação de novos órgãos de governo.
Qualquer que seja a solução, Portugal precisa urgentemente de uma política bem estruturada de gestão territorial direccionada para a revitalização do interior em harmonia com uma forte descompressão da forte pressão demográfica no litoral.
18 de Junho de 2010
(*) Mário Leston Bandeira
A direita política que defende os interesses das grandes empresas e do grande patronato odeia e despreza a Constituição da República.
É que a nossa lei fundamental, mãe de todas as leis, apesar das sucessivas revisões aprovadas pelo bloco PS/PSD, resistiu e continua a impor, no essencial, o projecto político que nasceu da revolução social do 25 de Abril. Projecto este que se inspirou em ideias e ideais defendidos pelas diferentes sensibilidades de esquerda que convergiram, sob a pressão dos movimentos sociais, na redacção do documento aprovado pela Assembleia Constituinte em 1976.
A nossa Constituição é uma lei que continua a impor que o país seja governado à esquerda e esse facto explica o ardor militante dos sectores neo-liberais de direita contra esta lei fundamental. Essa imposição explica também por que é que muito do que lá está escrito foi sistematicamente ignorado durante os longos anos de governo neo-liberal PS/PSD.
Porque os poderes constitucionais do Presidente lhe permitem influir decisivamente na escolha de prioridades que defendam a soberania de Portugal e o Estado Social, ambos ameaçados pelos sucessivos PEC’s impostos pelo eixo Berlim/Bruxelas, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.
São um momento privilegiado para o debate e a discussão política, sem sectarismos, acerca das soluções necessárias ao ressurgimento social, económico e cultural do país e à sua independência.
Neste debate e para que o povo possa votar em consciência, impõe-se que existam alternativas claras ao actual estado de coisas.
Ora, a lista dos candidatos anunciados ou pré-anunciados não garante de modo nenhum que tal debate venha a acontecer, por que nenhum desses candidatos traz nada de novo.
Cavaco Silva e Manuel Alegre, apoiados pelo bloco PSD/PS são os candidatos do PEC e da submissão aos desígnios do grande capital e dos seus agentes, os quais estão por detrás dos burocratas de Bruxelas e do directório de países comandados pela Alemanha.
São também candidatos do Ricardo Espírito Santo e do capital financeiro português que tem usado os recursos do país a seu belo prazer, que tem manipulado os consumidores com promessas de crédito fácil e que asfixia as famílias e as pequenas e médias empresas que constituem mais de 95% do tecido empresarial português.
São candidatos que garantem apenas a continuidade da ditadura PS/PSD, construída em nome duma falsa alternância e ao serviço de comparsas bem identificados.
A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:
1. A captura do Estado pelos interesses das oligarquias dominantes com o consentimento de Governos conduzidos por políticos medíocres, incompetentes, sem convicções e que faltam à verdade.
2. O aumento da corrupção ao longo das últimas três décadas, em paralelo com o monopólio do poder exercido pelas Direcções do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, monopólio esse que tem promovido e protegido redes de interesses que se alimentam da promiscuidade entre as funções do Estado, a política e os negócios privados.
3. A asfixia e manipulação da economia pelo poder arrogante dos bancos, pela especulação bolsista, pela prevalência dos interesses de grandes empresas cujos desígnios estão representados nos gabinetes do Estado, pela desenfreada exploração e as discriminações de muitos trabalhadores e trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a incapacidade da justiça em fazer prevalecer o império do Estado de Direito.
4. A lei da precariedade que passou a reger as relações laborais, o mercado do trabalho e do emprego e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para a emigração.
5. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.
Manuel Alegre e Cavaco Silva simbolizam as duas faces responsáveis por esta triste realidade a que o país chegou.
Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança que mobilize as energias do país, as energias e o empenhamento dos homens, das mulheres e dos jovens.
São candidatos conformados, candidatos engravatados e fechados nos seus casulos, à margem das aspirações e das inquietações do povo.
São candidatos que se conformam com o desemprego, com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.
São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos colocariam na primeira linha das suas preocupações o combate ao deficit, em detrimento do apoio a uma economia social, solidária e ecológica.
Ora, há alternativas à ortodoxia neo-liberal e à prioridade do combate ao défice. Nenhuma teoria económica consistente conseguiu demonstrar de forma incontestável essa prioridade.
O economista João Ferreira do Amaral, por exemplo, manifestou-se recentemente “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.
Mas este debate sobre os PEC’s, sobre o défice, sobre o Estado Social, deverá ir mais longe, deverá incluir a viabilidade de estratégias que considerem os cenários de uma saída do euro e/ou da UE.
Como explicou também João Ferreira do Amaral, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? O que é ganha hoje Portugal com o euro?
É prático, quando se viaja nos países da moeda única, não se precisar de trocar moeda. É verdade que é prático.
Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que, se esperava, fossem garantidas pelo euro, não passaram de uma miragem e essa moeda revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.
Diziam os economistas servos do capital, quando a crise começou no Verão de 2008, que, felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo. Estávamos no euro...
Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?
No meio dos escombros da União Europeia podem-se vislumbrar actualmente três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.
Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais e internacionais, da criação de novos espaços geopolíticos.
Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
PORQUÊ UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA?
É um debate que se impõe no momento presente e as eleições presidenciais serão o momento adequado para que tal aconteça.
Mas tal debate só acontecerá se a essas eleições se apresentar um candidato com um programa de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.
Um programa de esquerda que interpele a sociedade com novas questões e que proponha alternativas e soluções ousadas mas possíveis. Que intervenha em nome de uma esquerda inventiva, capaz de identificar prioridades que defendam a liberdade individual e a soberania política, a criação de riqueza e a prosperidade, a justiça e a solidariedade.
CONTRA AS DESIGUALDADES E AS DISCRIMINAÇÕES
São conhecidas as principais vítimas das desigualdades e da exclusão social: os pobres, os idosos, os imigrantes clandestinos, os trabalhadores precários, os desempregados.
São conhecidas as principais vítimas de discriminação e de prepotências: as mulheres porque sofrem violências, porque auferem salários inferiores aos dos homens para trabalho idêntico, porque nas empresas não são promovidas a lugares de chefia, os trabalhadores que têm que se submeter às vontades dos seus patrões ou dos seus chefes e cujos direitos são desrespeitados, os jovens que trabalham por baixos salários e sem contrato, os homossexuais.
A pobreza quase sempre se transmite de pai para filho. Quase sempre, tudo começa na escola. Essa é a fonte de muitas desigualdades para toda a vida. Mas a luta contra o insucesso escolar não se resolve com falsas aprovações, isso é uma hipocrisia que só ajuda as estatísticas oficiais. As crianças e os adolescentes de famílias pobres não podem ser abandonados à sua triste sorte. Cabe à escola mudar o seu destino. Como? Pondo as escolas ao serviço dessas crianças e adolescentes, orientá-los, apoiá-los até ao final dos seus estudos.
Cada escola deve ter, para além dos docentes, especialistas que sejam provedores dos alunos em dificuldade, que os acompanham, que fazem intermediação entre a escola e os pais, as famílias. Nos agrupamentos escolares, deverão constituir-se equipas multidisciplinares para a convivência escolar, com docentes, um psicólogo, um assistente social e um educador social.
A frequência de um estabelecimento pré-escolar deve ser gratuito e começar para todas as crianças aos três anos, porque essa idade - é o que dizem os especialistas - é a idade decisiva na aquisição dos instrumentos mentais para o conhecimento. Todas as crianças devem poder ter acesso a uma creche pública a partir dos dois meses de idade.
São medidas a favor das crianças mas também dos pais, que precisam de ser ajudados a conciliar a vida profissional com as suas obrigações familiares. São medidas a favor de um direito essencial que é o direito de ter filhos, de procriar.
Os jovens são as principais vítimas do desemprego, vítimas porque levam cada vez mais tempo a conseguir um emprego certo, vítimas porque muitas vezes trabalham sem contrato e facilmente são despedidos, vítimas porque só depois de terem tido um emprego é que podem beneficiar do subsídio de desemprego.
O desemprego e a precariedade juvenis constituem uma mancha social vergonhosa, inaceitável numa sociedade democrática. A sociedade tem a obrigação de garantir a cada jovem que termina a sua formação um emprego estável num prazo razoável, um emprego que garanta a sua autonomia e, se for essa a sua vontade, a constituição de uma família. Disto depende a sucessão das gerações e a renovação e o progresso social. É uma absoluta prioridade de esquerda.
A pobreza quase sempre acompanha a velhice. O governo socialista, na sua hipócrita demagogia criou o complemento solidário para idosos, mas ao mesmo tempo aumentou a idade da reforma e diminuiu as pensões dos futuros reformados. E agora, recorrendo aos falsos argumentos da luta contra o deficit, acabou com muitas das prestações sociais que estavam em vigor.
A reforma da Segurança Social e das pensões, tão elogiada pela comunicação social e pelo patronato, além de prepotente, é responsável pelo aumento das desigualdades e é discriminatória.
É prepotente porque mudou as regras do jogo e retirou aos trabalhadores direitos que há muito estavam consagrados e que, por isso, deviam ser respeitados.
Aumentou as desigualdades, porque fez diminuir as pensões de quem menos pode.
É discriminatória porque não prevê que todos aqueles que exerceram profissões de maior risco possam aceder mais cedo à reforma, com plenitude de direitos.
A lei deve ser reformulada, validando formas de atribuição das pensões de reforma que tenham em conta a penosidade do trabalho. Por outro lado, o estatuto de reformado não pode pôr em causa o direito ao trabalho.
Deve-se promover o envelhecimento activo, incrementando a formação ao longo da vida, a melhoria das condições sanitárias e do sistema de cuidados médicos e a integração social dos mais idosos, quer através de redes adequadas de apoio social, quer através da conciliação da situação de reformado e o exercício a tempo parcial de uma profissão a quem o desejar e tenha meios pessoais para isso. Deve-se ultrapassar a ideia de reforma-guilhotina, a qual implica que, chegados a um determinado limite de idade, homens e mulheres sejam obrigados a partir para a inactividade.
O combate pelos direitos sociais contra a injustiça, contra as prepotências e as descriminações deve ser um trabalho da Justiça. Que faz actualmente a Justiça para defender os mais fracos?
Muitos trabalhadores são vítimas de prepotências dos patrões e ninguém os defende. Em muitas empresas, mulheres, por ficarem grávidas, são despedidas. Quem as defende? A inspecção do trabalho, os tribunais?
Devem ser instituídos tribunais de trabalho arbitrais paritários, segundo o modelo francês dos conselhos de prud’hommes. Estes tribunais serão constituídos por igual número de representantes dos trabalhadores e das empresas do sector público, do sector privado e do terceiro sector e terão por funções regular, quer através de conciliação, quer de julgamento, litígios individuais relativos à aplicação dos contratos e das leis do trabalho. Os representantes dos trabalhadores serão designados por eleição em processo simultâneo e nacional para cada conselho, a que concorrerão listas elaboradas por sindicatos, respeitando o princípio da igualdade de género. Deverão ser fixados conselhos arbitrais por área de actividade económica e por área territorial (distrito, por exemplo) e cada tribunal organizar-se-á em secções, sendo obrigatória a existência de uma secção que julgue as reclamações sobre desigualdades salariais entre homens e mulheres.
Os actos de discriminação motivados por “razões” baseadas no género, na idade, na etnia, na orientação sexual ou em qualquer outra devem ser devidamente punidos e as vítimas devem ser ressarcidas e ser-lhes restituído o usufruto dos seus direitos. Para que tal aconteça, deverá ser criado um tribunal especializado com jurisdição particular contra qualquer forma de discriminação. A esta jurisdição podem recorrer imigrantes sem autorização de residência, mas que façam a prova testemunhal de que trabalham.
UMA ECONOMIA SOCIAL E ECOLÓGICA
O desenvolvimento económico deve ser social e ecológico, deve subordinar-se aos direitos sociais e à preservação dos recursos naturais.
Uma forte consciência social e uma nova consciência ecológica não podem tolerar a lógica do desperdício do consumismo e as escandalosas desigualdades entre quem tudo tem e quem nada tem.
O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade.
Nenhuma actividade empresarial, seja financeira, seja económica pode pôr em causa os imperativos sociais e ecológicos, pode estar acima da lei e do interesse colectivo. Qualquer actividade económica ou financeira deve ser estritamente regulada e atentamente supervisionada por autoridades emanadas das instâncias democráticas e os culpados de delitos graves deverão ser punidos de maneira proporcional à gravidade dos crimes que cometeram. Não pode continuar a haver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Uma justiça justa e célere combate as desigualdades e ajuda ao desenvolvimento económico.
O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante de qualquer sociedade. A garantia de emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos a alcançar por uma política de esquerda.
Os imperativos sociais e ecológicos do novo modelo de desenvolvimento económico não podem permitir que o Estado distribua a fundo perdido, como tem sido feito, milhões de euros para salvar indústrias obsoletas, poluidoras ou para financiar empresas descartáveis que vão à falência ou são facilmente deslocalizáveis em obediência a interesses particulares e à ganância patronal de lucros cada vez maiores.
A poluição automóvel, por exemplo, que envenena as cidades e as torna desumanas, deverá ser firmemente combatida e a indústria automóvel deverá ser reconvertida, o seu peso social e económico redimensionado e a dependência em relação ao petróleo drasticamente reduzida. Às empresas poluidoras deve ser cobrada uma taxa proporcional à gravidade dos prejuízos ecológicos causados.
A produção agrícola e as pescas devem ser reabilitadas e economicamente viabilizadas, no respeito pelos direitos sociais e pelas exigências ecológicas. Assalariados, agricultores, pescadores, consumidores podem e devem-se unir e cooperar no estabelecimento de circuitos e de parcerias de produção e de distribuição de bens alimentares de qualidade e de preço acessível. Fora dos circuitos das grandes superfícies e hipermercados.
O novo modelo de desenvolvimento a defender por uma candidatura presidencial de esquerda deverá ser anti-consumista e anti-produtivista, deverá subordinar-se ao direito ao trabalho e ao pleno emprego, mas também ao direito ao lazer, incluindo a prática desportiva em todas as idades, e ao direito à formação e à cultura, à felicidade e à realização pessoais ao longo do ciclo de vida de cada um, na infância, na adolescência e na juventude, na idade adulta e na idade sénior.
Pleno emprego e trabalho para todos são exigências essenciais que implicam a partilha do trabalho e trabalhar menos horas.
O capitalismo na sua fase actual atingiu uma fronteira para além da qual só existe um abismo suicida que poderá arrastar a Humanidade para uma guerra global.
Por isso, tem que ser travada definitivamente a engrenagem capitalista que assenta na exploração, sem quaisquer limites éticos ou considerações sociais e ecológicas, dos recursos naturais e da força de trabalho. Uma engrenagem determinada cegamente pela ambição paranóica do crescimento ilimitado, sem fim, dos lucros e do poder do dinheiro.
Para muitos capitalistas, os pobres não existem, os trabalhadores são descartáveis. Ora, o direito de propriedade não é um direito de vida e de morte, é um direito com deveres para com a sociedade, inclusive, deveres de solidariedade para quem trabalha e para quem precisa.
No modelo de desenvolvimento baseado na economia social e ecológica, o terceiro sector deverá desempenhar uma função crucial.
Entre o sector público, que deve ser regulado pelas instituições democráticas e o sector privado, que deve ser regulado pelo mercado e pelas leis da República, o terceiro sector pode ocupar-se de uma multiplicidade de actividades úteis à sociedade e à coesão social, que não se enquadram nem nas lógicas estatais nem nas regras mercantis.
Mas os três sectores podem conviver e até cooperar, a bem do desenvolvimento e da prosperidade. O sector público e o terceiro sector estão naturalmente vocacionados para actividades de carácter colectivo e solidário. Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve tender para assumir valor social, também o sector privado deve reger-se por finalidades solidárias e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada, quando for caso disso, em função dos seus contributos e práticas sociais.
Entre o Estado e o sector privado, a bem da ética política, da economia e da justiça social, as relações devem ser rigorosamente transparentes. É, por isso, imediatamente urgente terminar com a promiscuidade entre dirigentes políticos e negócios privados. A lei deve ser severa e impedir que quem exerce ou tenha exercido funções governativas possa transferir-se com armas e bagagens para empresas privadas que concorram a concursos públicos ou que beneficiem de subsídios ou de financiamentos públicos. Os contratos com empresas privadas deverão ser do conhecimento público e aprovados por adjudicação em concurso público.
A Caixa Geral de Depósitos, por ser uma banca pública, tem de apoiar a economia do terceiro sector, quer concedendo crédito proporcionado às capacidades das empresas sociais, quer desenvolvendo a prática do micro-crédito a pessoas envolvidas em iniciativas de auto-criação de emprego, quer fornecendo assessoria financeira gratuita.
O terceiro sector privilegia as relações entre pessoas, os direitos sociais, a ausência de dominação patronal e uma nova relação meramente utilitária aos bens e ao dinheiro a favor da ambição mais alta de cada um ser solidário e livre de expandir as suas competências.
A economia do terceiro sector é uma economia solidária, social, promove
o emprego, a inserção profissional dos jovens, ajuda as pessoas de fracos recursos ou com dificuldades, promove trabalhos de protecção do ambiente no seio de associações cívicas, gere escolas e actividades artísticas e de cultura.
O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente. Nele podem integrar-se cooperativas de produção, cooperativas de distribuição associadas a produtores e a cooperativas de consumo, cooperativas de ensino, culturais e artísticas, associações sociais.
O terceiro sector promove também a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.
Nos casos de empresas em processo de falência, deve ser reconhecida legitimidade aos respectivos trabalhadores para convocarem a intervenção do Estado com vista à transferência dessas empresas para um regime de propriedade social, sendo simultaneamente avaliada a viabilidade económica do projecto que apresentam para salvaguardar os postos de trabalho, quer seja no sector de produção em que a empresa funcionava, quer seja em nova área.
Com vista à reconversão de empresas em falência ou à criação de novas empresas, a funcionarem em regime de economia solidária, os produtores interessados deverão apresentar propostas e estudos de viabilidade, sendo nessa tarefa apoiados por universidades ou por politécnicos, por serviços técnicos do Estado ou por associações devidamente acreditadas e apoiadas pelo Estado.
As empresas de economia social dotar-se-ão de órgãos representativos, os quais designarão os seus órgãos de gestão e decidirão sobre todas as questões essenciais, como sejam tabelas salariais, actividades sociais e culturais e aplicação dos lucros em reinvestimento nas próprias empresas e em fundos de solidariedade.
POR UMA SOCIEDADE DO SABER E DA CULTURA
O conhecimento, a ciência, a educação e a cultura são as principais alavancas da criação de riqueza numa sociedade moderna, justa e igualitária.
Em Portugal, os níveis de literacia, de conhecimento científico e de informação cultural são ainda muito baixos. Em grande parte, esse défice deve-se ao mau funcionamento do sistema de ensino.
A política de numerus clausus, em vigor desde há trinta anos, travou a expansão do ensino superior e tem retirado a muitos jovens, principalmente das famílias com menos recursos, a possibilidade de perfazerem uma formação mais qualificada.
A política do governo socialista em relação à investigação científica teve aspectos positivos, que devem ser aprofundados no respeito da liberdade de pensamento e de investigação e da mobilidade e da cooperação entre centros de investigação, nacionais ou extra-nacionais.
No ensino superior, foi destruído o modelo de gestão democrática, que integrava estudantes, docentes e funcionários de pleno direito e sem descriminações na vida colectiva das instituições. Foi destruída a autonomia universitária.
O modelo de gestão democrática foi substituído pela lei do regime jurídico das instituições do ensino superior que promove a lei do mais forte e abriu as portas a interesses privados. Esta lei deve ser revogada, a democracia deve regressar às escolas, a autonomia universitária e o carácter público do ensino superior devem ser preservados.
A aplicação do protocolo de Bolonha contribuiu para desvalorizar os diplomas de licenciatura, aumentou a selecção social, não introduziu qualquer melhoria nas condições e no trabalho pedagógicos. O número de alunos por turma aumentou, a qualidade do aproveitamento escolar diminui. Foram criadas distorções burocráticas inaceitáveis que só dificultam a vida das escolas e são fonte de desperdício dos recursos humanos.
Deve ser feito um balanço de toda a experiência pós-bolonha, as instituições devem ouvir estudantes, docentes e funcionários, deve ser feita uma avaliação antes de se proceder a alterações, as quais são inevitáveis.
A política de numerus clausus deve ser revista. Porque compete ao Estado preparar o futuro, investindo na qualidade das novas gerações, o ensino público, em todos os graus, deve ser gratuito. A política de propinas deve ser revogada, sendo os custos do ensino superior público integralmente suportados pelo Estado. Devem ser instituídas normas de financiamento público que sejam transparentes e sirvam à promoção de um ensino de alta qualidade.
No ensino não-superior, chegou-se a uma situação insustentável, em que muitos professores se declaram desmotivados para ensinar.
A gigantesca burocracia do Ministério da Educação tem que ser reduzida à sua expressão mais simples, devendo ser confinada à gestão administrativa e deixando às escolas a competência de, em parceria e em diálogo e troca de experiências, definirem as tarefas pedagógicas, a organização da sua vida interna e a avaliação e a promoção dos seus docentes. Num regime de saudável competição entre escolas públicas e com as escolas privadas, é preciso dar espaço à criatividade, ao mérito, à liberdade. É o futuro do país que se joga nas salas de aula.
À luz destas mudanças, poderá admitir-se que algumas escolas, desde que com base em projectos sólidos do ponto de vista pedagógico e da qualidade das competências dos seus proponentes se organizem em autogestão, em cooperativa, em regime a definir pelas instâncias democráticas.
Prioridade absoluta ao investimento na cultura, prioridade à criatividade artística, à promoção do bem falar, da expansão da língua portuguesa. No mundo que será cada vez mais global, precisamos das artes e da cultura, do cinema e da televisão, da literatura e do teatro, da música erudita e da música popular, da arquitectura, para afirmarmos a nossa identidade, para sermos reconhecidos e valorizados.
A cultura não vende coisas mas aumenta os nossos capitais pessoais e colectivos. Aumenta a nossa auto-estima enquanto povo, leva-nos ao reconhecimento dos outros, a abrirmo-nos ao mundo como se abriram os portugueses de quinhentos. Leva-nos a ser cosmopolitas. Preparemos gerações cosmopolitas para o futuro, gerações capazes de competir no mundo global.
DEFENDER E MELHORAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS
Uma das principais responsabilidades do Estado é assegurar a toda a gente a prestação de serviços básicos essenciais: água, gás, electricidade, saúde, educação, justiça, transportes.
A histeria privatizadora, de que são responsáveis os partidos gémeos neo-liberais, socialista e social-democrata, subtraiu ao sector público a electricidade, o gás e os transportes e enfraqueceu o Serviço Nacional de Saúde. Apesar dos projectos que existem com esse fim, o governo socialista não teve coragem para privatizar a água. Mas tentativas não faltarão.
Quando à Justiça é o que se sabe. A Justiça é lenta, é incompetente, está fechada à sociedade, em particular, às classes populares. A maioria dos juízes funciona como uma casta. Como órgão de soberania que são, deverão ser avaliados pelo seu desempenho, não podem estar acima da lei, têm que ser responsabilizados pelos seus actos.
Na reforma do sistema judiciário, deverão ser previstos órgãos de acompanhamento e supervisão dos actos dos agentes da justiça, que integrem representantes da sociedade civil.
Sabemos que o acesso à saúde é hoje mais difícil, é outra fonte de desigualdade social. Os mais pobres, os que vivem nas periferias urbanas ou no interior têm ao seu dispor serviços que ficam longe, que funcionam mal, que não funcionam sempre.
Em nome de uma suposta racionalidade, obviamente economicista, fecharam-se centros de saúde, centros de atendimento, maternidades.
A saúde não pode ser tratada apenas nos hospitais, tem que ser feito um esforço concertado entre o Estado e instituições e técnicos competentes na prevenção da doença, na aquisição de hábitos de vida saudáveis e na inspecção mais rigorosa e permanente às condições de trabalho. A doença tem demasiados custos, nomeadamente, financeiros. Preveni-la, evitá-la é uma questão de racionalidade.
O Serviço Nacional de Saúde descrimina as pessoas vítimas de doenças raras, não lhe prestando os cuidados de que necessitam, o que é totalmente inaceitável.
As pessoas portadoras de deficiência devem ser objecto de cuidados e de atenção muito especiais por parte do Estado.
Estas pessoas têm necessidades específicas, em muitos casos, comuns a diferentes grupos sociais e etários. As barreiras arquitectónicas, por exemplo, dificultam a acessibilidade de jovens e de menos jovens.
O acompanhamento às famílias com dependentes deficientes impõe-se com uma acuidade cada vez maior, se tivermos em conta que a proporção de idosos dependentes tem vindo e vai continuar a crescer.
A inserção profissional de deficientes é um direito que compete ao Estado assegurar em todas as suas vertentes. Caso contrário, o Estado será o responsável por situações de exclusão social.
A política de transportes é outra política errada desde há muitos anos. Deixámos de ter uma rede ferroviária nacional, acabou-se com os eléctricos urbanos, que foram substituídos por autocarros barulhentos e poluidores. Na mobilidade urbana, principalmente das áreas metropolitanas, os transportes públicos são uma gota de água. Numa época de crise energética e de aquecimento global, continua a reinar o automóvel particular.
Os centros das cidades devem ser reservados a transportes públicos frequentes, em quantidade e confortáveis. O preço dos passes sociais deve baixar para as pessoas com menos recursos.
Para se aumentar a mobilidade individual sem se sobrecarregar o ambiente, o investimento público nesta área deve ser substancialmente aumentado, subordinando-se a critérios ecológicos estritos. O investimento, proporcional às disponibilidades financeiras do Estado, no transporte ferroviário de pessoas e de mercadorias é, para o futuro, uma prioridade absoluta.
CRIAR NOVAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E TERRITORIAIS
A população portuguesa está em declínio e isso deve-se à baixa natalidade, que acelera o envelhecimento. Estamos confrontados com um declínio demográfico cuja origem é o declínio social.
O acentuar do declínio demográfico é um problema grave principalmente no Interior. Esta evolução deve ser enfrentada pela esquerda como uma urgente prioridade política.
As causas do declínio demográfico do interior são conhecidas: é a sangria iniciada nos anos 60 com a emigração para a Europa, o contínuo êxodo rural para as zonas urbanizadas do litoral, a falta de alternativas económicas ao desaparecimento do modo de vida rural.
Ora, o interior e todas as zonas desertificadas possuem boas condições naturais para a fixação de população, em particular, de jovens que aí poderiam constituir família e educar os seus filhos em condições muito mais favoráveis do que aquelas que existem nas áreas urbanas sobrelotadas.
São as novas gerações que podem contribuir para desconcentrar as zonas urbanas e povoarem o interior em vias de desertificação. Assim lhes dêem meios para isso.
A população do interior está a desaparecer sob os nossos olhos, o interior continua a envelhecer e, ao mesmo tempo, as suas florestas e muitas aldeias continuam a ser devoradas pelos incêndios. De quem é a culpa? Do centralismo que concentra grandes investimentos no litoral e nas áreas metropolitanas, que promove a concentração urbana e despromove a qualidade de vida de quem lá vive. E que esquece o interior, ou seja, cerca de 2/3 do território nacional.
Os governos centrais têm sido incompetentes, distraídos quanto às implicações desta situação que continua a agravar-se. Será por estarem longe das comunidades, das aldeias, das cidades, das escolas, das empresas do interior? Em todo o caso, é necessário abrir espaço e oportunidades à criatividade e à livre iniciativa de quem está no terreno e se empenha no progresso da sua terra ou de quem pretende emigrar para o interior.
Será necessário regionalizar? É uma questão que merece ser debatida quanto às vantagens e inconvenientes da criação de novos órgãos de governo.
Qualquer que seja a solução, Portugal precisa urgentemente de uma política bem estruturada de gestão territorial direccionada para a revitalização do interior em harmonia com uma forte descompressão da forte pressão demográfica no litoral.
18 de Junho de 2010
(*) Mário Leston Bandeira
2 comentários:
Apenas um comentário à questão do Euro:
Sair da zona euro e desvalorizar a recuperada moeda nacional podia estimular as exportações, mas teria também os seguintes resultados.
1. Como as nossas importações são relativamente inelásticas, elas não diminuiriam significativamente com essa medida.
2. As taxas de juros disparariam, o que teria consequências dramáticas para quem tem crédito hipotecário.
3. A dívida externa é em euros, pelo que se imaginaria o que aconteceria com uma desvalorização da moeda nacional.
A economia não é assunto para ideologias. Há que respeitar valores e princípios, mas propor disparates como a saída do euro não contribui em nada para que se encontre uma saída para a crise.
A causa da falta de competitividade da economia portuguesa tem algumas origens:
1. Falta de qualificação de muitos empresários.
2. Falta de qualificação de muitos quadros médios e superiores.
3. Falta de investimento por parte de empresas que preferem distribuir dividendos.
É aqui que tem de se procurar a resposta, e não na saída do euro.
Nuno Cardoso da Silva
Caro Nuno Cardoso da Silva,
Desta vez estou de acordo com os comentários que fazes sobre uma hipotética saída do euro e/ou da UE.
A "proposta de linhas programáticas" que o Tribuna Socialista publicou destina-se à discussão e quando nos associamos, fazemo-lo numa óptica de contribuir para a discussão entre todos os sectores à esquerda que não se reveem nas actuais candidaturas presidenciais.
Várias vezes, aqui neste espaço, tenho manifestado a minha opinião quanto a uma urgente refundação democrática e social da Europa. Essa refundação da Europa é necessária e o retorno aos Estados-Nacionais não é alternativa para a Europa liberal que tem dominado.
A refundação da Europa é uma ideia, um programa, uma alternativa que tem mobilizado muitos sectores da esquerda socialista europeia, nomeadamente quando no final da 2ª Guerra Mundial, foi lançado o "Movimento pelos Estados Unidos Socialistas da Europa".
Sou de opinião que as esquerdas europeias, as anti-capitalistas e socialistas, deveriam aproveitar a actual crise e as "soluções" que os governos europeus impõem, para lançarem uma alternativa europeia mobilizadora, refundadora da democracia participativa dos europeus e com sentido social inequívoco. Essa mobilização poderia passar pela capacidade de convocação de uma GREVE GERAL EUROPEIA!
Nesta proposta de "Linhas Programáticas" este é um dos pontos com os quais não estou de acordo. O outro, por exemplo, é uma visão "soberanista" de Portugal.
Abraço,
João P Freire
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