tribuna socialista

segunda-feira, julho 02, 2007

Memória, onde andas ?

Câmara de Aveiro desiste do Museu da República já pré-inaugurado e devolve importante acervo

25.06.2007, por São José Almeida
Jornal Público

Um importante acervo de material de propaganda da Primeira República (1910-1926) foi devolvido pela Câmara de Aveiro a António Pedro Vicente, que, depois de se dedicar à sua recolha e aquisição, o doou àquele município para que constituísse o esteio principal de um museu sobre a República.

Esta devolução põe fim a 14 anos de negociações entre a câmara e António Pedro Vicente, que com esta doação pretendia ver reconhecida na terra onde nasceu a figura de democrata e lutador antifascista de seu pai, Arlindo Vicente, possível candidato que desistiu e apoiou Humberto Delgado, nas eleições presidenciais de 1958.

António Pedro Vicente não quis prestar declarações ao PÚBLICO sobre estas longas negociações com três presidências de câmara diversas (começou em 1994, com o autarca Girão Pereira). Agora, já sob a presidência de Élio Maia, o vereador responsável pela Cultura, Miguel Capão Filipe, optou por anular as anteriores decisões e devolver o acervo documental.

Surpreendendo os aveirenses, que tinham já assistido a uma pré-inauguração do Museu da República num edifício adquirido pela autarquia para o efeito, a câmara, presidida por Élio Maia, do PSD, voltou ao notário para desfazer o acordo que fora assinado em 2002. E devolveu a António Pedro Vieira um património que é classificado por especialistas como a maior colecção de documentos sobre a vida política e a propaganda partidária da Primeira República, ombreando, segundo uns, superando segundo outros, a colecção do falecido historiador Oliveira Marques.
O museu tinha já como comissário indicado o historiador Luís Reis Torgal.


A falta de tempo tem impedido que dê o devido destaque a esta notícia do Público, já datada de 25 de Junho.

Não posso ficar indiferente ao facto saber que mais uma vez a História foi preterida por um motivo: falta de dinheiro. "Chegámos à conclusão que o museu não seria feito porque o município tem dificuldades financeiras e o museu precisava de tecnologia e de suportes informáticos e virtuais que representavam investimentos impossíveis para a câmara.", disse Capão Félix.

Não posso ficar indiferente ao facto da Memória Histórica da República ter sido tratada não como um grito patriótico, mas como um conjunto de malfeitores para Portugal. O conjunto de ideias que então foi lançada haveria de frutificar e afirmar a cidadania e a legitimidade democrática e popular. A República assistiu aos lamentáveis confrontos entre republicanos divididos (mas também sempre acossados pelos monárquicos e pela Igreja), mas deixou uma herança de importantes raízes que nos importa estudar e compreender, porque ainda hoje nos servem de estímulo e referência.

Ao desistir deste tão importante acervo a Câmara Municipal de Aveiro prestou um mau serviço à cidade, à sua identidade cultural republicana e livre e a uma visão de um Portugal virado para a modernidade, com confiança no futuro e que se reconhece nos ideias generosos, libertadores, fraternos e justos do 5 de Outubro.

Quem, como eu, vibrou com a pré-inauguração e o projecto do Museu da República fica atónito perante esta desistência. Terá sido falta de ambição ? Foram contactados parceiros para o projecto ? Não haveria programas nacionais ou comunitários que apoiassem o projecto ? Alguém se lembrou de saber como Caen conseguiu construir esse fantástico Memorial da Paz e da Memória ?

Como disse Camus : “ Não há vida válida sem projectos para o futuro.”
E Aveiro passou ao lado da Memória Colectiva. Lamentavelmente !

Posted by João Botelho.

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