tribuna socialista

segunda-feira, janeiro 24, 2011

PRESIDENCIAIS: ABSTENÇÃO, DIREITA UNIDA E ESQUERDAS, como de costume, A OLHAREM PARA O UMBIGO!

Cavaco Silva e a direita triunfaram nas Presidenciais.
As esquerdas e as restantes candidaturas saíram derrotadas.
A abstenção continuou a crescer, embora os resultados práticos desse crescimento estejam mais próximos de desânimo do que de protesto social.
Não obstante, sente-se um descontentamento social perante as consequências de uma crise financeira e económica.

O que parece uma evidência, é a incapacidade de uma democracia hiper-parlamentarizada para materializar pelo voto o descontentamento social que é transversal a todo o espectro político-partidário. Como que o ritmo dos ciclos eleitorais desta democracia, encaixam muito mais nas chamadas agendas dos órgãos de soberania e dos partidos parlamentares e passam à margem das expressões colectivas do descontentamento popular.
O aumento da abstenção pode ter a ver com isso …
Os resultados das eleições presidenciais mostram uma direita crescentemente unida e eleitoralmente com ritmo de vitória e esquerdas desfocadas do sentir social e, mais uma vez e sempre, desunidas e clubisticamente olhando só para o seu umbigo.
A candidatura de Manuel Alegre é a imagem do que dizemos. Se há cinco atrás, Manuel Alegre conseguiu, através de uma iniciativa independente mas claramente localizada à esquerda e na crítica ao liberalismo, atravessar transversalmente o espectro partidário, agora tornou-se numa candidatura excessivamente conotada com o PS enquanto partido governamental e, por isto, em permanente contradição com o outro partido apoiante, o Bloco de Esquerda.

Manuel Alegre desenvolveu uma campanha muito baseada em abstracções e em ataques fulanizados. Se tivesse sido uma candidatura unitária das esquerdas, Manuel Alegre teria sido muito mais sensível à incorporação no seu discurso do descontentamento social e da necessidade de uma nova iniciativa política alternativa. Há cinco anos conseguiu, agora foi uma espécie de clone do Mário Soares da última eleição presidencial …
Repetiu, vezes sem conta, o que quase todos repetem (como o próprio Cavaco Silva), embora de uma forma muito branqueada, como a defesa do público (saúde, segurança social, escola…). Mas nunca foi claro nem objectivo quando se tratava de criticar as políticas governamentais, a começar pelo seu apoio ao OGE, cozinhado pelo PS e PSD. A própria crítica ao processo BPN/SLN só foi mais contundente quando se tratava de criticar Cavaco. Como se Cavaco e o PS, nesse processo, tivessem, alguma vez, actuado separadamente …
No plano dos apoios partidários a Manuel Alegre, funcionaram sempre como contrários que se anulam e nunca como possível nova convergência social entre partidos politicamente contraditórios. As direcções dos dois partidos nunca se misturaram em público, apesar de conviverem na estrutura da candidatura. O Bloco de Esquerda fez lembrar, nos conteúdos de apoio a Alegre, a célebre imagem da Revolução Russa onde Trotsky era censurado pelos estalinistas para não aparecer ao lado de Lenine. No caso da campanha presidencial, por exemplo, o esquerda.net, resolveu só propagandear as partes que lhe convinham da campanha de Alegre, omitindo as partes pró-governamentais e pró-Sócrates. Qualquer um que se desse ao trabalho de tentar acompanhar a campanha alegrista pelo esquerda.net, ficaria com a sensação de que existiam dois Alegres …

O apoio do Bloco de Esquerda a Manuel Alegre esteve politicamente mal desde o seu inicio. Não foi um processo de decisão democrática no seio do BE. Foi um processo que se iniciou com uma declaração pessoal de Francisco Louçã à TVI em Dezembro de 2009, bem antes de Manuel Alegre se declarar como candidato. É um processo que mostrou as graves carências práticas de democracia interna que existem num Bloco de Esquerda que é tutelado por uma maioria, somatório de três correntes (que não se assumem enquanto tal, estatutariamente), dominadas pela aparentemente mais forte, UDP.
Todo o processo relativo ao apoio do BE a Manuel Alegre, decorreu à margem dos seus militantes. Só as estruturas de direcção foram chamadas a pronunciar-se. E, nestas estruturas, a tal maioria tem um domínio avassalador.
O resultado de um processo destes, só pode ser uma divisão no Bloco de Esquerda com consequências futuras previsivelmente muito negativas. E a responsabilidade política pertence por inteiro a Francisco Louçã, coordenador da Comissão Política, e a toda a direcção política do BE.
A divisão dos votos tradicionalmente BE, resultou também em votos que foram parar, principalmente, às candidaturas de Fernando Nobre e de Francisco Lopes.

A candidatura de Fernando Nobre acaba por ter um resultado importante, mas aquém do resultado, esse sim histórico, de Manuel Alegre há cinco anos. Fernando Nobre, ao contrário de Alegre, apresentou a sua “iniciativa cidadã” como algo apolítico, evitando afirmar-se à esquerda ou em qualquer outro quadrante. Socorreu-se de muito discurso de auto-elogio, de propostas algo populistas, reunindo à volta de si, vontades muito contraditórias e incapazes, por isso, de representarem o inicio de qualquer novidade enquanto movimento social ou político.
Não basta criticar os partidos políticos, para não se incorporarem os piores vícios dos partidos hiper-parlamentarizados. E isso foi visível na candidatura de Nobre, através da permanente saída de pessoas que tinham estado no lançamento da candidatura. Esta será uma candidatura que aconteceu e que, provavelmente, não se voltará a ouvir falar nos dias de ebulição social que a presente crise irá registar.
É visível que Fernando Nobre, mandatário do BE nas últimas eleições europeias, conquistou o apoio de muitos bloquistas. Apoio que acaba por ser consequência do processo que decorreu no BE sobre as Presidências. Seria muito importante, que esses bloquistas apoiantes de Nobre, não se dissolvessem nas abstracções e nas contradições de uma candidatura presidencial, quando for necessário juntar forças contra a hegemonia política da direita!
A candidatura de Francisco Lopes voltou a representar um esforço de consolidação do espaço político do PCP. A capacidade interventiva de Francisco Lopes foi, de facto, uma novidade, um bom exemplo desta campanha. Mas esse discurso foi quase sempre diminuído no seu impacto social pelo excessivo sectarismo de militantes comunistas. Esse sectarismo continuou a ser traduzido pela sistemática estratégia de confronto com outras correntes de esquerda, pela apresentação do PCP como o único partido “coerente”, pela desvalorização de qualquer outra candidatura presidencial, etc., etc.

O decorrer das acções de candidatura de Francisco Lopes mostraram, de facto, bastante capacidade de iniciativa e de organização. No entanto, os resultados finais voltaram a evidenciar a incapacidade do PCP para alargar a sua base social de apoio, mesmo entre sectores das esquerdas.
A candidatura de José Manuel Coelho é uma das novidades destas Presidenciais, pelo resultado nacional, pelo resultado na Madeira e pelo que isso significa. Juntamente com o nível crescente das abstenções, esta candidatura é claramente um sinal de protesto no plano nacional e um sintoma de inicio de rejeição de Alberto João Jardim, na Madeira. José Manuel Coelho posicionou-se como o candidato mais votado no Funchal e no Machico. E este é um dado muito importante!

Com os candidatos que se posicionaram nestas Presidenciais, elas muito dificilmente poderiam contribuir para um novo ciclo político de afirmação social contra as políticas neo-liberais e contra as consequências da crise financeira e económica do capitalismo. Os resultados eleitorais confirmam, perante a inexistência de uma resposta social e política à esquerda, a manutenção das políticas com iniciativa no chamado arco neo-liberal do governo, i.e. o PS, o PSD e o CDS.

Uma das consequências destas eleições pode ser uma espécie de refinar da resposta política à direita, com a hegemonização da direita mais caceteira (Cavaco Silva, PSD e CDS) no aparelho de Estado, i.e. Presidência da República, Governo e Assembleia da República.
É previsível a dissolução da Assembleia da República pelo reeleito Cavaco Silva, logo que os seus poderes para tal, sejam reactivados no âmbito da Constituição da República.
Os partidos do arco neo-liberal jogam, como já afirmámos no inicio desta análise, na não coincidência dos ritmos eleitorais com o ritmo da resposta social e popular à crise. Para os seus projectos, é bom que uns não coincidam com os outros …

Por isto, é importante que a iniciativa social e popular de resposta à crise seja desenvolvida e aprofundada. Esta iniciativa corta transversalmente o espectro partidário e será importante, até por isso, para a definição de uma alternativa democrática, socialista e anti-capitalista de poder.
As esquerdas, parlamentares e extra-parlamentares, deveriam vencer todos os seus actuais tiques clubisticos e sectários. Porque razão nunca é possível uma resposta política unitária das esquerdas? Para isso, terá de ser o movimento social, o resultado da luta de classes perante o actual cenário de crise, a forçar a essa resposta política unitária!

Seria muito importante, que a resposta social em Portugal tivesse convergências com o movimento social noutros países europeus. Afinal é fundamental que as esquerdas olhem para a Europa com determinação e empenhadas na alteração do quadro político europeu. Hoje as políticas nacionais estão muito dependentes desse quadro europeu. E na Europa é também urgente que o neo-liberalismo e as políticas dos PECs sejam derrotadas com uma alternativa de esquerda com dimensão europeia!

4 comentários:

Anónimo disse...

Seria bom não se subestimar o resultado da candidatura de Fernando Nobre. O candidato não se exprime com muita clareza nem tem um discurso político bem rodado, mas foi melhorando à medida que a campanha avançava. Que uma candidatura "cidadã" em Portugal tivesse tido 14% de votos já é notável. Mostra que há uma base de descontentamento que pode vir a criar, de baixo para cima, uma alternativa política interessante. Como todas as iniciativas basistas, será confusa e pouco coerente à partida, mas se não se passar por essa fase nunca se chegará a criar um movimento dinâmico e eficaz. O ideal seria que o BE tivesse assumido esse papel contestatário e reformulador do sistema político, mas os tiques originais e a recusa de aceitar certas pessoas como militantes quando não partilham desses tiques, condena o BE a não passar dos 10%, não sendo por isso uma alternativa real. Se o BE não arrepiar caminho, arrisca-se a ver surgir um movimento alternativo à volta de Fernando Nobre, capaz de mobilizar pelo menos parte dos 600.000 eleitores que lhe deram a sua preferência. Fernando Nobre é fundamentalmente de esquerda, embora possa ser de uma esquerda que deve mais à teologia da libertação do que a Marx. O que pode jogar a seu favor num país que ainde se arrepia quando se fala de marxismo.

Nuno Cardoso da Silva

Anónimo disse...

Estou basicamente de ascordo com esta análise.
A minha espectativa é de que haja uma (muito tardia, diga-se) auto-des-sectarização da esquerda anti-capitalista. Mas isso é, quase, um voto «piedoso», infelizmente.
Abraço solidário,
Manuel Baptista

João Pedro Freire disse...

Quero aqui referir algumas notas ao teu texto.

O lançamento do Alegre pelo Louçã foi em Setembro de 2009 e não em Dezembro

http://www.scribd.com/doc/24681888/Esquerda-PS-e-Alegre-%E2%80%93-Confusoes-e-premeditacoes-eleitorais

Os grandes fracassos do BE foi nunca perceber que o PS é um partido de direita e não um partido com políticas de direita.
Foi nunca ter percebido que não há ala esquerda do PS mas ala menos à direita dentro do PS. E por isso a política de rapar as bases de esquerda do PS não podia deixar de falhar.

Que irá o BE fazer agora que se viu não haver esquerda no PS (basta ver os apoiantes Ps de Alegre (António costa, Belém, a mulher do Pedroso...)para estarmos conversados sobre isso

Como afirmei um ano atrás, o milhão de votos do Alegre em 2006 (ver link acima) esse milhão não existia a naão ser na fraca cabeça do Alegre e dos aprendizes que acreditaram nisso. Era fácil de ver que a candidatura de Alegre em 2006 foi um gesto de raiva e vingança do candidato e nunca um projecto de construção de um espaço à esquerda. Por isso nunca saiu do PS, não criou novo parido, viveu de almoços e jantares com arrotos anti-fascistas.

Tenho curiosidade em ver como reagirá a grande massa dos militantes do BE face aos seus dirigentes, acomodados no fofo das alcatifas da AR em amenas conversas com a direita. E se serão capazes de conquistar o partido à influência dos PS escondidos (politicas XXI e “renovadores” do PC) e dos estalinistas instalados. E de alterar o funcionamento do partido centrado na AR e pouco na organização e no contacto com as pessoas comuns, com a promoção de protestos e desobediências localizadas para mobilizar o povinho. Se nas condições objectivas de pobreza galopante uma esquerda não se afirma e enraiza, pouco de esquerda terá, certamente.

O descrédito dessa esquerda foi visível nas presidenciais, através das abstenções, dos votos brancos e nulos, no apoio recolhido por Nobre e Coelho.

Não houve fuga de votos de ninguém para o F Lopes. Este teve 300 mil votos e o Jerónimo 467 mil em 2006. Pelo contrário, muitos fugiram para o Nobre e o Coelho e para a abstenção ou mesmo para o Alegre. À medida que os militantes religiosos do PC, os crentes, vão morrendo, verifica-se que a disciplina, a devoção dos mais novos não é a mesma e que poderão estar-se nas tintas para o candidato do partido

Estamos a preparar um texto sobre estas coisas a divulgar em breve

Um abraço

Grazia Tanta
grazia.tanta@gmail.com

Francisco Gonçalves disse...

Eu votei Fernando Nobre e ofereci-me como voluntário da sua campanha, distribuindo os palepinhos do costume… Votei num candidato de espírito justo e solidário, e ponto final.
Defendi aqui neste blog (à largos meses…) o nome de António Barreto, o homem que a esquerda deveria convidar, sem compromissos, para liderar esta luta, e como tal estou à vontade para dizer que existe muita gente ostentando o rótulo de esquerda, e que mais não faz que plagiar o discurso do “geralmente não erro, e nunca me engano…” do candidato agora eleito Presidente.
Esquerda ou direita não são apelidos que nascem com as pessoas, são comportamentos e caminhos que definimos para nós mesmos ao longo de uma vida, por isso fico de “pelo eriçado” quando alguns “comissários” nos tentam vender, como os capitalistas fazem, o nome deste ou daquele para candidato de esquerda, agora assumam que foram incompetentes na escolha que fizeram… bem como aqueles que escolhem os candidatos exclusivamente dentro do partido, e ainda ousam mandar os seus eleitores engolir elefantes, para votar noutros candidatos de esquerda…
Sinceramente existe um divórcio entre alguma liderança de esquerda e os eleitores, basta analisar as zonas de maior votação em Fernando Nobre, para percebermos que a mensagem, ou cara, ou as duas coisas, não criaram a motivação adequada para votarem no candidato que escolheram, por isso dou-lhes um conselho, mudem de música…