tribuna socialista

domingo, fevereiro 20, 2011

LOUÇÃ, KAFKA E A MOÇÃO ... uma resposta aberta a Mário Leston-Bandeira!

Caro Mário Leston-Bandeira,
(a propósito de “Louçã, Kafka e a Moção”, no seu blogue “A Bela Moleira”)


Mário Leston-Bandeira

Não concordo com o seu texto ...

Como é sabido, sou militante do BE e no BE tenho mantido posições criticas relativamente à maioria que tem dirigido o Bloco.
Essas posições críticas levaram-me, durante duas Convenções Nacionais, a integrar uma das correntes minoritárias, a Esquerda Nova. Neste momento, não integro nenhuma corrente interna ou qualquer Associação Política. Sou militante de base, só!
Sou militante do BE, o que quer dizer que, por isso, também sou solidário, para o bem e para o mal, com as acções do meu partido-movimento. Isso não quer dizer que não afirme sempre a minha opinião, mesmo que ela esteja em dissonância com a maioria ...



Também já tive oportunidade de estar com o Mário Leston-Bandeira, em discussões colectivas, não enquadradas partidariamente, mas que considero úteis e imprescindíveis ao espaço das esquerdas em Portugal. Não me arrependo e estarei sempre disponível para repetir...

Mas o texto do Mário Leston-Bandeira é, todo ele, orientado de uma forma crítica ao Bloco e com críticas que passaram a ser banais e comuns às que a direita e os seus comentadores de serviço também fazem...
Não, caro Mário Leston-Bandeira, o Bloco não é só o partido das ideias fracturantes. Além do mais é injusta essa crítica. O Bloco tem dado contribuições, nomeadamente na Assembleia da Republica, em muitas outras áreas da sociedade portuguesa. Nomeadamente na área da educação, do ambiente, da agricultura, das finanças, da saúde, ...

Nas presidenciais não apoiei nenhum candidato, nomeadamente Manuel Alegre. Bati-me contra Cavaco Silva, por uma 2ª volta, depois de ter apelado a uma candidatura unitária das esquerdas com um sentido democrático, socialista e anti-capitalista. Critiquei a posição da direcção política do Bloco de Esquerda. Mas, mesmo discordando profundamente dessa posição, ela representa a visão da direcção política do BE sobre os caminhos para a recomposição das esquerdas em Portugal, nomeadamente do espaço da esquerda socialista.

Pela minha parte, defendo também, até como consequência da actual crise, a reorganização/recomposição das esquerdas em Portugal. É minha opinião, que as consequências sociais da crise, terão reflexos determinantes no espectro político. É bem possível que a crise económica do capitalismo, crie novas correntes na crítica anti-capitalista e novas formas de organização do descontentamento social e político. Não sei se o actual quadro partidário conseguirá sobreviver às consequências da actual crise … Como activista estou atento e, por isso, não fico embalado com o discurso conjuntural, venha ele de onde vier …
Estou convicto que essa reorganização das esquerdas teve já, aqui há doze anos atrás, uma consequência política que foi a fundação do Bloco de Esquerda. Não vejo o aparecimento do Bloco, como algo nebuloso que tenha resultado da aliança, considerada “tenebrosa”, entre trotsquistas, estalinistas e desiludidos do PCP. O que eu tenho visto, é uma convergência muito interessante e saudável, entre correntes, que depois de caminhos divergentes, souberam, com base numa auto-critica profunda sobre os seus percursos anteriores, iniciar um processo de convergência inovador, mantendo, como base comum, uma matriz democrática, socialista e anti-capitalista.

É claro que nem tudo correu ou corre bem (e daí, algumas das críticas que tenho desenvolvido em matéria de democracia interna), mas o caminho que foi iniciado é marcante, inovador e continua actual.



Lembra-se DESTE P.S. ?
 Pessoalmente, o meu caminho foi iniciado no PS e na JS, onde procurei sempre manter um pólo de afirmação marxista. A minha chegada ao Bloco de Esquerda, logo na sua fundação, é também a busca de caminhos de convergência no reconhecimento da pluralidade que as esquerdas sempre tiveram, mas que nem sempre foi reconhecido por algumas das suas correntes.

Quando participei com o Mário Leston-Bandeira numa discussão sobre as Presidenciais, também foi no reconhecimento de que os caminhos da reorganização das esquerdas não têm só um sentido.

Muito frontalmente, caro Leston-Bandeira, qual tem sido, até ao momento, o contributo do Movimento “Nova Esquerda”, que, penso, ainda o integra, para a reorganização das esquerdas em Portugal e outras áreas de intervenção?

O Bloco de Esquerda surgiu também com o propósito de “correr por fora” em relação ao que faziam os partidos com assento parlamentar. Houve e continua a haver, no Bloco, uma preocupação de se tentar interligar os assuntos parlamentares com aquilo que é o sentir dos movimentos e das lutas sociais. E sempre que se sente uma quebra, um relaxe nessa vital interligação, há quem eleve a voz entre os bloquistas.
A reorganização das esquerdas não é algo decidido com régua e esquadro. Também não é determinado pelo que as direcções partidárias queiram. É determinado, isso sim, pelos movimentos sociais, pelas lutas sociais e pela expressão que a luta de classes vai adquirindo.

É minha opinião que a acção precede a organização e que a acção também condiciona a(s) organização(ões) existentes …
Qualquer corrente que queira intervir nessa reorganização não pode assumir-se, à la carte lenino-estalinista, como “a vanguarda” do quer que seja ou então como a encarnação de uma reorganização que ainda poderá vir a acontecer …

A actual crise económica ainda está no seu inicio quanto às consequências que terá no espectro político actual. E essas consequências resultarão sobretudo por via das lutas sociais e dos movimentos sociais. Nunca por causa do que se vai passando em matéria das ditas “agendas parlamentares” …

A Moção de Censura do Bloco de Esquerda faz todo o sentido, por aquilo que acabei de escrever … A contestação social que se sente na sociedade portuguesa não está directamente representada na Assembleia da República. Como que existe um filtro ao sentir social determinado pelas ditas “agendas parlamentares” … a imagem mais caricata é dada pelos partidos da direita parlamentar – PSD e CDS – que passam do discurso em que quase que “matam” Sócrates, para num esfregar de olhos, estarem-no cinicamente a apoiar na manutenção do governo … que afinal até tem políticas previamente negociadas entre PS e PSD!…



A Moção de Censura do Bloco de Esquerda mostrou quem, na Assembleia da Republica, apoia o Governo de Sócrates e quem é a sua oposição. E essa clarificação será importantíssima para quem se for manifestar no dia 12 de Março em nome da “geração à rasca”, para os Professores que também voltarão às ruas e para os que responderem ao apelo da CGTP para o dia 19 de Março.

Esta interligação entre a acção parlamentar e o que se faz no plano social, também contribui para a reorganização da política e do espectro político. Significa também que é absolutamente vital que o exercício da democracia não se esgote no seu afunilamento, por via só do representativismo, mas que seja refrescado pela prática da democracia participativa e directa.

Caro Mário Leston-Bandeira, não concordo portanto que a apresentação da Moção de Censura do Bloco de Esquerda seja um “jogo palaciano”. Um jogo desse tipo, seria condicionar a apresentação da Moção à negociação prévia com as direcções parlamentares, ignorando-se o sentir social …



Também sigo com muita atenção os ventos revolucionários que acontecem, em dominó, nos países árabes. Até me dei ao trabalho de apelar a uma concentração no Porto. Que se realizou com boa participação!
O exemplo da revolução árabe merece ser acompanhado e devidamente estudado. Nomeadamente quanto aos ensinamentos em matéria de espontaneidade social e de novas formas de organização. Mas também porque o que se passa na Tunísia, no Egipto, no Iemen, no Bahrein … não é só a luta pelas liberdades, é também e sobretudo a luta por justiça social contra um sistema, que é o capitalista, que, também nessas paragens, invade as sociedades com precariedade, com desemprego, com salários de miséria e com “democracias” de fachada …

Caro Mário Leston-Bandeira,
Mesmo discordando do que escreveu, agradeço a oportunidade para manifestar a minha opinião a propósito dessa discordância.
Aproveito para sugerir a organização de uma discussão colectiva sobre estes temas, envolvendo outras opiniões e outras vontades.
Saudações fraternas,
João Pedro Freire

4 comentários:

Anónimo disse...

A abertura do BE parece ficar entupida quando se trata de um homem de esquerda que também é monárquico (embora há muito afastado da política monárquica). São tiques censórios que ajudam a impedir que o BE vá além dos 10%...

Nuno Cardoso da Silva

João Pedro Freire disse...

Caro Nuno,

Volto a afirmar que não concordo com os obstáculos que te são colocados à tua adesão ao Bloco de Esquerda.

Abraço,
João Pedro Freire

Anónimo disse...

Caro João Pedro,

Agradeço a tua posição, mas parece que os teus camaradas de partido não são lá muito sensíveis aos teus argumentos... E depois, é muito provável que eles saibam que, estando de acordo com o essencial a nível de princípios, se eu entrasse no BE seria para tentar contribuir para o tornar mais eficaz e menos dominado pela dinâmica "Apparatchik"...

Um abraço

Nuno

joao de miranda m. disse...

Em primeiro lugar só posso parabenizar o autor do artigo "... Uma resposta aberta a Mário Leston-Bandeira", João Pedro Freire. Parabenizo-o pela coerência interna do artigo, por uma certa lógica que me parece inabalável. Digo "parece", porque tendo eu simpatizado com a antiga LCI, ainda desde antes de Abril, e tendo a LCI desembocado no Bloco, não me é difícil encontrar consistência lógica no BE e nos actuais dirigentes. Enfim, coisas de uma lógica metade cabeça e metade coração. Mas é nisto mesmo que pode residir muito do meu erro, muito do erro da esquerda em Portugal. Não há esquerda sem coração, nem direita que o tenha. Mas receio que o caminho da esquerda teria que passar por uma racionalização de tudo, uma verdade inexpugnável que não poupe ninguém nem nenhuma incongruência metodológica. Parabéns mais uma vez.