tribuna socialista

terça-feira, março 16, 2010

PARTIDOS À IMAGEM E SEMELHANÇA DO PARLAMENTARISMO LIBERAL ...

























A vida dos e nos partidos à esquerda, deveria ser transparente, democrática e discutida sádiamente por todas e todos que querem uma alternativa socialista de poder.

Isto porque, pelo menos na teoria (!), as esquerdas estão comprometidas com as lutas e os movimentos sociais em busca por uma alternativa política. Não estão, ou melhor, não deveriam condicionar a sua acção às chamadas agendas do parlamentarismo, por mais favorável que a composição parlamentar fosse para as esquerdas.



É dificil, é mesmo dificil, pretender-se que um socialista (dos que ainda o são, dentro do PS), um bloquista, um comunista e um anarquista aceitem discutir entre si, as perspectivas quanto à tal alternativa política. Antes que isso acontecesse, já cada um desses activistas estaria alerta à defesa das "fronteiras" para que o seu "espaço partidário" não fosse "violado" ... a consciência de classe, a percepção de que a luta política da esquerda está, teria de estar, enquadrada no processo de luta de classes, há muito que parece ter passado à História ... mesmo à esquerda, o que todos acabam por desenvolver é luta partidária com vista a um "bom score" nas próximas eleições!

A luta partidária em vez da luta política enquadrada no processo de luta de classes, tem tornado os partidos de esquerda muito semelhantes, quanto ao seu funcionamento e ao relacionamento inter-militantes, aos partidos defensores da chamada democracia liberal parlamentar. O partidarismo é comparável a um qualquer clubismo, e, a partir daí, os militantes passam a ser aderentes configurados para a defesa tendencialmente acrítica dos "líderes" e das "direcções" ... uma espécie de estalinismo misturado com clubismo parlamentar!!

No último Congresso do PSD, Santana Lopes propôs e os congressistas aprovaram uma monumental "lei da rolha" para este partido. Alguns chamaram-lhe "estalinismo", mas como estamos à direita, o que aconteceu foi uma espécie de aplicação a um partido das leis securitárias que o liberalismo tem produzido, planeta fora, na sua fase de globalização ... isso, o liberalismo do século XXI é também, nomeadamente nas suas expressões políticas, uma nova forma de totalitarismo! Tudo é controlado, tudo é penalizável ...

Santana Lopes tornou mais claro o que às vezes já parece acontecer em todos os partidos, da esquerda à direita, do espectro parlamentar: no seu interior o clubismo partidário gerou medos, subordinações cegas às direcções e, como nesta sociedade, regras aparentemente democráticas, mas sem qualquer expressão prática no dia-a-dia!

Todos os actuais partidos parlamentares têm no seu historial, registos de sanções administrativas, as quais, no momento em que acontecem, são sempre "justificadas", mas que, passado algum tempo, começam logo a ser relativizadas e questionadas, até por quem as aplicou!

Nos partidos à esquerda, por exemplo, no PCP e no Bloco de Esquerda, o tal clubismo também vai ganhando peso e forma. São partidos que gostam de situar a sua acção no plano das lutas sociais (às vezes nem se percebe se luta social é o mesmo que luta de classes ...), mas que no seu seio reproduzem os tiques e as restrições politicas da democracia liberal parlamentar.

Um comunista e um bloquista, infelizmente só se toleram no plano político, apesar de, no campo social, serem aliados em muitas e muitas lutas. É muito dificil passar das acções sociais para as acções politicas mantendo uma mesma postura unitária!

No interior do Bloco de Esquerda, definido como partido-movimento, fundado pela convergência de correntes com património muito diferente, o que deveria ser um exemplo de construção de um novo tipo de organização, corre o risco de se tornar muito parecido com o que já existe.

No interior do BE, o excelente crescimento eleitoral e parlamentar, tem levado a um certo esquecimento da intervenção no processo de luta de classes, tem subordinado a acção aos objectivos eleitorais e, como consequência, tem mantido uma mesma direcção política, pressupondo que sem ela e para além dela, não haverá mais nada. Ora, a actual direcção política não é homogénea, mas representa, as três correntes fundadoras do Bloco, as quais souberam, ao longo de anos, manter um controlo apertado sobre a estrutura bloquista, sabendo, cada corrente, com que se ocupar (entre as estruturas, a acção parlamentar e o contacto com os media),para não deixar escapar o controlo de todo o BE.

As três correntes fundadoras - o PSR, a UDP e a Política XXI - até se dissolveram enquanto "partidos". Passaram a "Associações". Dizem que não são "correntes". Mas (e este mas é tramado!) continuam a ter militantes, continuam a ter orgãos escritos e na net, continuam a ter congressos/encontros. E, através deste é-mas-não-é, as três correntes conseguem manter o tal controlo sobre toda a estrutura partidária.

Qualquer nova corrente que surja, terá, como é costume numa sociedade dita "de mercado", muita dificuldade em singrar, já que o "mercado" está muito bem controlado pelos que já lá estão! Mas, atenção, continua a existir "democracia", "liberdade", etc e etc...

Este cenário, que acaba por ser uma expressão do funcionamento do parlamentarismo burguês no interior de qualquer partido, cria muitas condicionantes na acção individual dos militantes. Uma dessas condicionantes é a sensação de só conseguir fazer alguma coisa visível desde que acompanhando as acções das maiorias. Caso contrário, entre declarações formais de "respeito" por parte da maioria, avoluma-se uma sensação de receio, de inutilidade ... até ao ponto de os militantes com acções "minoritárias" serem psicológicamente empurradas para fora!

Quando o Bloco surgiu, costumava declarar que queria "correr por fora"! Provavelmente a solução para a democratização, para o combate ao tal clubismo imposto pelo parlamentarismo burguês, passa pelo voltar a "correr por fora", o que quer dizer, integrar a luta partidária numa luta politica subordinada ao processo da luta de classes!



João Pedro Freire
Nota: sou aderente do Bloco de Esquerda

3 comentários:

Anónimo disse...

ENVIADO POR MAIL POR MANUEL BAPTISTA:
Olá João Pedro,

Podes publicar este comentário, se quiseres.
O que descreves é uma coisa há muito identificada noutros, «deriva identitária». Sabemos que o fim dos partidos é do de serem máquinas de poder; só serão apenas isso e no pior sentido, se os das bases, a cidadania, não obrigarem os aparelhos, as burocracias, a agir de acordo com os interesses de classe que dizem defender.

Parece-me que Portugal tem um atraso estrutural e estruturante muito grande. Por exemplo, a fraca compreensão do que seja o papel da teoria (da ideologia, se preferires) no movimento social. A compreensão de que a teoria está sempre em atraso em relação ao pulsar da vida em geral, da vida em sociedade particularmente.
As pessoas de esquerda não têm uma compreensão do que seja a sociedade e aquilo que determina verdadeiramente os indivíduos que os compõem. O que se espelha num ritualístico «respeito» pela forma liberal democrática, como sendo a última e primeira forma de democracia. Já não colocam o epíteto «burguesa», nem «formal», pois estão realmente completamente enredados nessas teias. Ora, o que move as pessoas, a verdadeira participação, não é motivada pelas «ideias» que elas tenham ou não é simplesmente uma resultante linear das suas ideias: vi pessoas que conheço e têm uma visão do mundo de «direita» ou «conservadora», actuarem de modo revolucionário em certas ocasiões. Vi também o inverso, ou seja, pessoas que se diziam e dizem «revolucionárias» terem comportamentos totalmente retrógados.
Na realidade, a luta de classes existe sempre, ela não é causada pelas ideologias. As ideologias tentam uma explicação (mais ou menos sofisticada) para a mesma, para o desenrolar das acções e reacções das forças sociais em presença. Porém, o que pode realmente cimentar a unidade entre pessoas com interesses de classe comuns é uma consciência de que estão em aliança natural, que estão realmente a sofrer o mesmo desapossamento, a mesma opressão, a de terem de vender o seu trabalho...
Ora, os nossos sindicatos, dominados por partidos ou por facções de partidos (o caso não é tão nítido na maior parte dos países da Europa ocidental que conheço) estão sempre a apelar para o sentimento corporativo (a dignidade da «classe» dos professores, a luta da classe dos enfermeiros, etc...) estreito, por uma lado, havendo um total desprezo pelas uniões locais e regionais, estruturas que mais existem no papel e como órgãos burocráticos que deveriam ser o cimento de unidade entre vários sindicatos. A estruturação de sindicatos de RAMO de indústria ou de actividade e não de corporações ( sindicato da educação, da saúde, etc agrupando todas as profissões!!!) existe e está realizada desde o início do séc. XX pelo sindicalismo revolucionário e não «envelheceu», o seu princípio é perfeitamente actual, pois o que importa é a força que se consegue agregar, num dado momento, face ao patronato. Os sindicatos de ramo, juntamente com a importância das Uniões para uma educação e formação dos sindicalistas (não apenas dirigentes, mas de todos) e para realizar estruturas capazes de solidariedade inter-ramos de actividade ao nível local e não apenas confederal, são a pedra de toque ods instrumentos de classe do proletariado.
Agora, os trabalhadores têm de despertar para uma consciência mais exigente e não permitir que os dirigentes sindicais continuem a fazer o que querem, sem qualquer controlo das bases; a ausência de uma instância sindical credível é que derrota a classe trabalhadora portuguesa. Essa instância deve ser o reflexo de uma política de classe, porém decidida e claramente não ideológica, não inspirada pelos ideais deste ou daquele partido.

Solidariedade,
Manuel Baptista

Nuno Cardoso da Silva disse...

Caro João Pedro,

Não me surpreende o que relatas. Para que a corrente libertária possa ganhar direito de cidade vai ter que colocar mais simpatizantes seus entre os militantes do BE, ou seja, terá de fazer uma camapnha de angariação de filiados no BE entre os que simpatizam com as ideias libertárias. E depois é apresentar candidaturas aos orgãos internos e conquistar lugares e espaço. A alternativa seria criar um partido libertário, mas isso parece-me mais complicado.

Francisco Gonçalves disse...

Caro João freire,

O Mundo ideal deverá ter tantos partidos como grãos de areia, e quando isso acontecer será o fim dos pastores desse grande rebanho que somos todos nós; trabalhadores, povo, cidadãos ou como lhe queiram chamar…
Só uma escola diferente da que temos; uma escola de valores, oportunidades, cultura… pode criar condições para a mudança, tal como qualquer casa, devemos projectar e construir alicerces fortes e seguros, de nada serve um bom telhado montado em cima duns tabiques… que é o que se tem tentado fazer, como que eternizando a luta de classes, como resultado duma escola que se recusa qualificar as gerações futuras…
Sem uma escola de valores, oportunidades, cultura… continuaremos a parir gerações que elegerão aqueles que “roubam mas fazem”, como está na moda dizer-se…, vendedores de promessas, e quem sabe, até ditadores!!! E se isso acontecer, e eu por cá andar, serei obrigado a admitir que a minha geração se perdeu a correr nos sapatos, olhando a floresta sem ver as árvores…
O país tem 500 mil desempregados, aonde estão? Não são eles que eu vejo na rua a defender aquilo a que têm direito, caso tivessem frequentado uma escola diferente, certamente estariam na frente da luta, reclamando os seus direitos e não seguiriam um qualquer pastor nem ficariam a dormir à sombra da bananeira, já teriam virado este país do avesso, e mandado esses líderes, que não passam duns pequeno-burgueses envergonhados, darem uma volta ao bilhar grande… é obvio, ou assim parece, que numa sociedade com uma base social diferente, as lutas de alguns, deixariam de fazer sentido…