tribuna socialista

sábado, novembro 04, 2006

SOBRE A REVOLTA EM OAXACA (México): comunicado de SOCIALISMO LIBERTARIO (Espanha)


Comunicado difundido por SOCIALISMO LIBERTARIO sobre a revolta popular em Oaxaca, no México. É um comunicado que ajuda a perceber o que se passou/passa, com conclusões totalmente subscritas por TRIBUNA SOCIALISTA.


Os recentes acontecimentos em Oaxaca (México) com a entrada de 4000 agentes da Polícia Federal do Estado mexicano é a última medida repressiva dos poderosos no México frente à extraodinária revolta social protagonizada pelas classes subalternas e as populações indígenas na empobrecida região sul mexicana.

Tudo começou, como noutros anos, com uma greve convocada pela Coordenadora Nacional dos Trabalhadores do Ensino (CNTE), em Oaxaca, por melhorias salariais para os professores. Mas a tentativa de repressão em 14 de Junho por parte do governo federal e do Chefe de Estado Ulisses Ruiz Ortiz (URO) desencadeou uma revolta em cadeia contra Ulisses, desenvolvendo uma intensa experiência colectiva de auto-organização desde aquela data.

Os professores viram-se apoiados por outros sectores de trabalhadores (como a greve da saúde de 16 de Agosto que envolveu 15 hospitais e 650 centros de saúde), por uma greve geral de 800.000 trabalhadores em 18 de Agosto, para além de 5 grandes marchas, entre 6 de Junho e 31 de Agosto, que concentraram, na sua maioria, cerca de 300.000 pessoas.

Em Junho constitui-se a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), como síntese de mais de 350 associações, colectivos, sindicatos, uma coordenadora de mulheres, para além de outras realidades comunitárias. Juntaram-se também à APPO dezenas de povos indígenas que habitam em Oaxaca (onde existem 16 etnias que representam 34% da população, fundamentalmente mixes e zapotecas) que se manifestam contra as ingerências do Estado mexicano nas suas festas populares como a guelaguetza, uma festa de diversidade entre diferentes povos que se celebra através da troca recíproca. Durante estes meses em Oaxaca, o governo de Ulisses praticamente desapareceu sendo obrigado viver na clandestinidade. Os edifícios governamentais, o parlamento, as esquadras policiais, etc, foram ocupadas pela APPO. Da mesma forma, 4 rádios (uma das quais, a Rádio Cacerola, foi tomada pela Coordenadora das Mulheres), como a rádio Planton, cujo lema é “pondo ideias na tua consciência”, e, uma televisão, o canal 9 TV. As funções de auto-defesa foram levadas a cabo por piquetes da APPO que se revesavam … As reuniões que URO e os seus acólitos faziam com jornalistas para demonstrar que tudo continuava normal, realizavam-se clandestinamente em quartos de hotéis de luxo, algumas das quais acabaram abruptamente quando a população se apercebia dessas reuniões …

Durante estes meses, a revolta em Oaxaca viveu a contradição entre um programa reinvindicativo fundamentado na expulsão de URO, como consigna central, e, a tentativa de pressionar as instituições do Estado Federal para esse fim, como é o caso do Senado, e, por outro lado, a existência de uma experiência colectiva presidida pela criação de instituições colectivas que tentam criar novas normas em comum. É este o medo dos poderosos e a razão do seu ódio para com a revolta em Oaxaca. Porque com todos os seus limites e insuficiências, a luta de Oaxaca demonstra concretamente que é necessário e possível não delegar nos Estados, que é possível sonhar com novos embriões de poder social que surgem desde baixo. Embriões que não se pensaram suficientemente em si mesmos, que não se extenderam ou difundiram mais, fazendo crescer mais a auto-organização capilar, que acabaram por experimentar mais do que ocupar edficios ou seja começaram a geri-los como obra comum.
A reacção dos Estados e dos meios de comunicação não podia ter sido mais apropriada que a natureza totalitária do sistema que nos oprime. Jornais espanhóis encarregaram-se, por estes dias, de desacreditar a luta em Oaxaca, identificando-a com uma luta violenta e irracional contra a ordem e a lei democrática. Por exemplo, o El País, no seu editorial de 29 de Outubro, elogiava o que apelidava de intervenção civilizada do exército e da Polícia federal, com o argumento de que mais vale tarde que nunca. Para nós, para quem luta, para os oprimidos e as classes subalternas de todo o mundo, o posicionamento para com os protagonistas da revolta de Oaxaca é uma questão de tomada de posição ética. Como dizia um dos últimos comunicados da APPO, os poderosos não percebem nada de dignidade e de coragem dos povos.

O sistema é uma grande fábrica de mistificação da realidade. As vitimas convertem-se em verdugos e vice-versa. Os paramilitares ao serviço do Estado mexicano mataram, estes meses, quase 25 pessoas, incluindo crianças. Apesar das campanhas mediáticas contra a violência em Oaxaca, nada foi morto pelas mãos da revolta popular, que aplicou a necessária auto-defesa para deter militares e polícias que se infiltravam para dispararem à queima-roupa, como aconteceu inúmeras vezes … Como em 27 de Outubro, quando assassinos pagos pelo Estado mataram 4 pessoas disparando a partir de edifícios e ruas contra as barricadas populares. Provocação urdida pelo Estado como pretexto para a entrada das tropas federais no sábado e domingo seguintes. Durante o assédio à cidade, a atitude dos habitantes e dos lutadores da APPO foi muito sintomática, demonstrativa da profundidade da luta em curso. Como dizia a Rádio Universidade, tomada pela APPO, frente à entrada da PFP “Vocês têm as armas, nós temos a dignidade e a consciência”. Velhas mulheres enfrentaram nas barricadas as tropas federais dizendo-lhes que estavam a enfrentá-los com mãos vazias, da mesma forma que os professores tinham as suas vozes nuas. Nas dezenas de barricadas que abriam caminhos de liberdade, alguns manifestantes levavam flores e água à polícia. Os estudantes da Universidade de Medicina criaram um hospital móvel nas barricadas (um dos enfermeiros foi assassinado pelas tropas federais durante a invasão).

Estes são alguns dos exemplos da profundidade humana da revolta, das esperanças que abre entre as suas impurezas e contradições. Sobretudo na insuficiente auto-consciência de si e na dependência da lógica da política pela sua eleição que os impede de ir mais além do que a consigna central: Fora URO! É esta lógica política que fez com que alguns sectores do próprio movimento, como o secretário do sindicato dos professores, Rueda Pacheco, assinasse um acordo com o governo federal antes do envio das tropas, para recuar a classe, dividindo e debilitando a revolta.

No meio das ameaças que nos espreitam como espécie humana, das tenazes entre a guerra dos Estados democráticos e os terroristas sistémicos que originam cada vez mais vítimas, do Afeganistão ao Iraque, a dignidade humana encarnada em Oaxaca é um exemplo concreto de esperança. Esperança encarnada nas 100.000 pessoas que a 30 de Outubro, o dia depois da entrada das tropas federais, se manifestaram em Oaxaca. Ou na extensão da greve de professores a outros Estados.

Por isto, é importante, como pedia a APPO aos seus irmãos em todo o mundo, a mobilização como meio de contra-informação e de solidariedade com a revolta em curso. Para nós essa solidariedade tem de ser activa enquanto posicionamento ético de irmandade entre os povos. Para ajudar os povos que lutam, a ser mais conscientes e encontrar com mais determinação as possibilidades que têm de transformar a realidade e, não só, resistir. Apoiando concretamente e difundindo o que são capazes de realizar e, os seus limites como lições que podemos extrair para um futuro onde a dignidade e a comunhão humana sejam universais e superem a lúgubre barbárie a que nos quer condenar este sistema.

Fora as tropas federais de Oaxaca!

Denunciemos as mentiras dos governantes e meios de comunicação!

Solidariedade com a revolta dos novos irmãos oaxaquenhos!

SOCIALISMO LIBERTARIO

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