tribuna socialista

terça-feira, novembro 23, 2004

VITAL MOREIRA CONTINUA A NÃO TER RAZÃO!


Vital Moreira volta a não ter razão no que escreve (na edição de hoje do Público) e revela alguma falta de informação sobre o debate que acontece nos partidos europeus da Internacional Socialista e no próprio PSE quanto à posição que os socialistas deveriam tomar sobre o chamado Tratado Constitucional Europeu (TCE).

Comecemos pelo debate que existe em grande parte dos partidos europeus da Internacional Socialista e dentro do próprio PSE (partido socialista europeu) , mas que nunca existiu, não existe e parece que nunca irá existir no PS português, se isso depender da actual direcção. Na posta que antecede esta, publicamos, em francês, um apelo de jovens socialistas de diversos partidos europeus da IS que tomam posição contra o TCE e pedem outro que possibilite e permita a construção de uma Europa democrática e social. Entre esses jovens, figura, inclusivamente, um dirigente da direcção nacional da JS portuguesa.

É, no entanto, no PS francês que o debate tem sido mais vivo, até porque haverá um referendo interno no dia 1 de Dezembro. Convém acertar que o apelo ao "não" não partiu da corrente de Laurent Fabius. A posição de Laurent Fabius foi bastante comentada, pela notoriedade que Fabius tem! Embora, neste momento, as grandes correntes de esquerda do PSF - Democratie & Socialisme, Nouvelle Gauche, Forces Militantes e Pour um Nouveau Partie Socialiste - estejam unidas no apelo ao "não". Um sinal dessa união e dos inumeros contributos para o debate podem ser visitados no portal NonSocialiste.Net-Le NON Socialiste et Europeén www.nonsocialiste.net .

Mas o debate que acontece no PSF, acontece também, embora menos mediatizado (e daí Vital Moreira não conhecer!), em partidos como o Labour Party, como o PSOE, como o SPD. Se quiser visitar o blogue DEMOCRACIA & SOCIALISMO http://militantesocialista.blogspot.com , certamente encontrará, em breve, informação sobre o assunto ...

No seio do PSE (partido socialista europeu) corre também um abaixo-assinado de eurodeputados que rejeitam o actual TCE e apelam ao voto "não" nos diversos espaços nacionais.

O que convém reter do que se passa no PS francês é a realização de um debate, o qual sómente contribui para o esclarecimento dos militantes socialistas seja qual venha a ser o resultado do referendo de 1 de Dezembro. Pena é que em Portugal a direcção de José Sócrates, tenha já lançado uma campanha pelo "sim", sem que tenha acontecido qualquer debate. Os socialistas portugueses não são todos pelo "sim". Como não são todos pelo "não". Mas o que a direcção de José Sócrates deveria reflectir e tirar conclusões, era no número de socialistas que não está esclarecida sobre a posição a tomar no referendo do próximo ano.

Vital Moreira considera que «O que está em causa no referendo sobre a Constituição europeia sob um ponto de vista de esquerda (e o mesmo vale para a direita) não é optar entre o novo tratado constitucional e uma outra hipotética alternativa "verdadeiramente socialista" mas sim entre aquele e os tratados vigentes» . O processo que leva à redacção de qualquer texto constitucional não é imune ao contexto sócio-politico em que acontece. Como teria sido a Constituição Portuguesa se tivesse sido redigida hoje em dia e como foi redigida no seguimento do processo pós-25 de Abril? O que tem acontecido com a construção europeia, desde o Tratado de Roma de 1957, é um processo dominado por uma visão liberal, de direita e à margem de qualquer processo democrático cidadão. A introdução de preocupações sociais na construção europeia, acompanha também os processos sociais (movimentos ecológicos, de defesa do consumidor, sindicais, de defesa dos direitos das minorias sexuais ...) que têm acontecido e que, pela sua dimensão crescente, acabam por influenciar, mesmo que timidamente, a produção dos tratados e das recomendações das instituições europeias.

Em Portugal, a adesão à então CEE foi também apresentada como algo que não precisava de merecer auscultação popular. Mais outra inevitabilidade!! Será que não terá começado aqui, uma das muitas causas que levam os portugueses a virarem crescentemente as costas à participação nas eleições europeias?

A intervenção na construção europeia, tem sido também algo negligenciada por alguns sectores da esquerda, nomeadamente pelo sector a que pertenceu Vital Moreira. As esquerdas não têm apresentado alternativas organizadas com dimensão e intervenção à escala europeias. Por exemplo, o PSE (partido socialista europeu) age mais como um "grupo parlamentar" sem qualquer unidade, uma espécie de federação de egoísmos nacionais geridos por socialistas! É sabido também que entre os socialistas europeus, não há uma posição comum sobre a Europa que querem. Há os federalistas, há os anti-federalistas, há os que não são uma coisa nem outra mas que também não sabem o que querem! Assim, é claro, que não se é alternativa a coisíssima nenhuma.

A ideia de uma Europa Unida, não é algo abstracto ou que tenha surgido com o Tratado de Roma. É uma ideia que passou pioneiramente pela esquerda a seguir ao fim da guerra, com o aparecimento do "Movimento pelos Estados Unidos Socialistas da Europa". Um projecto impulsionado, no final dos anos 40, por socialistas de diversos países europeus. Um projecto que não foi muito do agrado do sector a que pertenceu Vital Moreira! Nesse projecto, havia claramente uma perspectiva que apontava para uma Europa assente em bases democráticas e socialistas. A reconstrução da Europa teria de ser feita em bases novas que proporcionassem a paz entre os diversos povos e não nas mesmas bases que tinham levado ao eclodir da guerra! Provavelmente, Vital Moreira já não considera que o capitalismo - com o nome "economia de mercado" com ou sem social - é, em si mesmo, uma fonte inesgotável causadora de nacionalismos, miséria, exclusões sociais que podem levar ao eclodir de guerras?

O TCE que nos divide, é um texto que impõe um modelo liberal para a Europa, por não menos de 50 anos, conforme enfatizou Giscard D'Estaing, o Presidente não eleito da Comissão não eleita que redigiu a Constituição que nos querem impor! Manuel Alegre, na sua crónica no Expresso de 20 do corrente, tem toda a razão quando questiona "se a eventual constitucionalização de preceitos que configuram um programa neo-liberal não poderá vir a pôr em causa o próprio modelo social europeu".

Não é pelo facto de se inscreverem objectivos de "justiça social", de "pleno emprego" e de "combate à exclusão social" que o TCE passa a ser merecedor do voto afirmativo dos socialistas e das esquerdas. Consulte os programas dos partidos de direita e confirme se também não incluem essas expressões! O modelo subjacente ao TCE, liberal-capitalista, não fomentador da participação cidadã, continuador de uma construção europeia à margem dos cidadãos, é, ele mesmo, um obstáculo prático a qualquer construção europeia feita por caminhos diferentes! É muito interessante verificar como é que o novo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e Santana Lopes estão de acordo sobre a Europa que querem e, muitas vezes, justificam as politicas que implementam em nome dessa Europa. Mas já é estranho que José Sócrates consiga explicar a oposição que desenvolve, também em nome da mesma Europa que se prepara para votar com o seu voto "sim" convergente com a direita a que se opõem...

Os socialistas deveriam defender que é possível outra Europa, é necessária outra construção europeia, com a participação democrática dos europeus e norteada por principios democráticos e sociais!

Como socialista, relativamente à Europa, as minhas prioridades são, neste momento, as seguintes:
  • bater-me por um debate nacional e outro interno no Partido Socialista sobre o Tratado Constitucional Europeu. Não é "muito cedo" (como afirmou o Presidente Sampaio) para se debater o TCE, nem "muito cedo" para se questionar a pergunta, completamente absurda e tendenciosa, que se quer submeter ao voto dos portugueses!
  • bater-me por uma Constituição que resulte do trabalho de uma Assembleia Constituinte Europeia eleita democrático pelo sufrágio universal e directo dos europeus;
  • Defender uma Europa Federal democrática e social.

Vital Moreira no seu artigo do Público, volta a afirmar-se como uma espécie de paladino das "verdades oficiais" e do diktat da actual construção europeia. Não há um argumento novo, não há um esforço de esclarecimento, não há nada que faça lembrar Vital Moreira como um constitucionalista respeitado e, muito menos, como um homem de esquerda.

João Pedro Freire


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