tribuna socialista

terça-feira, junho 13, 2006

PÃO E CIRCO



Por Jorge Manuel Miranda Rodrigues Costa (*)

Na Antiga Roma, os Imperadores providenciavam para a satisfação do povo romano que nunca faltasse pão e circo.
Apesar da grave situação económica, do acentuado aumento do desemprego, do futuro incerto na função pública e das más notícias da segurança social, os portugueses parecem apenas preocupados com o futuro da selecção nacional de futebol.
Alienados pelo sonho irreal de uma vitória no Campeonato do Mundo de Futebol, os portugueses esquecem os seus reais problemas durante as próximas semanas. Os meios de comunicação social, com especial destaque para a rádio e televisão, alimentam até à exaustão o mito da possibilidade da vitória portuguesa deixando para segundo ou terceiro plano as verdadeiras questões existentes na sociedade portuguesa.
Já não há pachorra para tanto futebol, ele invade-nos as casas ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar e nos intervalos, permanentemente, nem de madrugada nos livramos de tanta informação sobre os seleccionados, um enjoo!
Endeusados, alguns deles mostram-se mais proficientes durante as saídas nocturnas que a nível do relvado, o que não será de bom augúrio para o desenlace da competição que se avizinha e para aquilo que alguns erradamente designam como um desígnio nacional, a conquista de um campeonato europeu ou, sonho supremo, mundial de futebol.
Enquanto Portugal se mantiver em competição pouco ou nada se ouvirá sobre o desemprego, o atraso em relação à Europa, a mobilidade dos funcionários públicos, o abandono escolar coexistindo com mais de trinta e cinco mil portugueses vítimas da exploração do trabalho infantil, a destruição da nossa floresta pelos fogos florestais e mais um sem número de problemas que nos colocarão a prazo, no último lugar da Europa dos 25.
Ninguem se interrogará como se podem vender 12 caças F-16 de um lote de 25 comprado em 1999 e dos quais 20 nunca voaram, há sete anos que se encontram desmontados e encaixotados, sem haver responsáveis pela inutilidade da aquisição e do dinheiro desperdiçado.
Ninguem se questionará sobre o facto da avaliação dos funcionários da administração não se estender aqueles que verdadeiramente são os responsáveis pelo estado a que tudo isto chegou.
Todos os holofotes e atenções se focalizam no percurso da nossa selecção, Portugal sonha com a impossibilidade e assim quando a realidade se sobrepuser à ficção o despertar vai ser mais uma vezes muito doloroso.
Os deputados até já consensualizaram a alteração dos seus horários para evitarem estarem presentes em espírito na Assembleia mas ausentes na realidade e assim poderem ver os jogos repousadamente e sem pesos na consciência. Máximo da generosidade, aguarda-se a todo o momento que esta flexibilização se estenda a toda a população activa portuguesa.
Poucas são as vozes que tentam moderar as expectativas populares e muitas, com elevadas responsabilidades, as que as alimentam.
Anestesiados, os portugueses sem que disso se apercebam vão tendo circo mas cada vez menos pão.

(*)
Assistente Hospitalar de Imuno-Hemoterapia do Hospital Doutor José Maria Grande, membro da Comissão Política da Federação Distrital de Portalegre do Partido Socialista

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