tribuna socialista

domingo, março 04, 2007

LÁ VÊM ELES ESTRAGAR O ALMOÇO! (*)

Faz um ano que escrevemos, neste jornal, alertando para a transmutação doutrinária que o PS estava a sofrer e para a governação neoliberal a que Portugal estava a ser sujeito.
Todas as considerações que então fizemos, mantêm-se actuais. Esta alternância, sem mudança, de uma esquerda simplex que sacraliza o mercado e subordina a política ao poder dos grupos económicos e sociais, que aplica a receita da flexibilização do Código Laboral, do desmantelamento dos serviços públicos (Saúde e Educação), da hostilização ao movimento sindical, dos despedimentos colectivos, das deslocalizações, do abandono do interior do país, e que mostra passividade perante a corrupção e o crime económico, evidencia bem a imagem do governo actual.
A linha orientadora do governo Sócrates tem sido a do consenso com o grande capital, no quadro de uma economia que vive da especulação bolsista, do incumprimento fiscal e da mão-de-obra barata. A direita sabe que a sua política está a ser executada e nem precisa de se desgastar ou preocupar, pois a actuação deste governo está a enterrar o ideário socialista em troca de um ideário neoliberal, a que chama “esquerda moderna”.
Encontramo-nos num momento em que deveriam ser interpretados os sinais de incompreensão e crispação que chegam da sociedade civil, e as pessoas para aderirem a medidas diferentes das que se lhes prometeram têm de compreender que as razões da mudança são justas.
Constatamos que uma das palavras que mais se escuta nas manifestações é “mentiroso”, e isso só acontece porque os portugueses estão descontentes e mesmo desesperados, pois as ditas “reformas estruturais” têm pesado duramente no bolso das famílias. A luta de um governo socialista não pode ser contra os mais pobres, os reformados, os assalariados, mas sim contra os que abusam do poder e do dinheiro, e que tão pouco têm sido chamados a participar no esforço de ultrapassar a crise.
Não assumimos uma postura radical, mas uma atitude de acordo com os princípios da esquerda democrática e progressista. Consideramos que a militância no PS não se pode traduzir em silêncio ou submissão perante o que a oligarquia determina. Ou será que a actuação do governo não merece nenhum reparo por parte dos socialistas?
O Partido Socialista revela uma incapacidade de diálogo e de criar alternativas mobilizadoras e de mudança à esquerda. E não nos venham com essa treta de que já não há esquerda nem direita, pois essa é uma mensagem que os neoliberais têm conseguido passar.
O consenso acéfalo dos nossos dias, reforçado com a eleição de Cavaco, levou à construção de um estado de espírito, estilo “União Nacional”, em que quem “não entender e aceitar a missão deste governo”, é logo rotulado de estatista, retrógrado, nostálgico ou bota-abaixo.
Acreditamos que há uma alternativa a este centrão que nos governa; acreditamos que há outro PS que não passe o tempo a ser elogiado pela direita; acreditamos que as reformas têm de ser feitas com as pessoas; acreditamos que nos devemos bater pelos direitos sociais que a Constituição consagra; acreditamos que Portugal devia aproveitar a presidência da EU para propor a alteração do PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento) e acreditamos que é dever do Partido Socialista construir um modelo de sociedade solidária. Muitas das preocupações que nos levaram a apoiar Manuel Alegre, têm hoje, ainda, mais razão e mais força. O que consideramos espantoso é como tantos mudaram tão rapidamente de opinião. Será que o aconchego do poder e uma confortável maioria chegam para tranquilizar as vozes mais críticas? Estamos onde sempre estivemos e continuamos a ser livres, anti-autoritários, inconformistas, contra a corrente e de esquerda. Lá diz o povo que “ é possível enganar muitos durante muito tempo, mas não é possível enganar todos durante todo o tempo”….



(*) Jorge Silva e João Botelho.
Militantes do Partido Socialista


ed. 254, 26 de Janeiro de 2007 do JORNAL do CENTRO

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