tribuna socialista

domingo, março 25, 2007

OS COVEIROS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (*)


“ (...) Há determinados bens que são tão necessários à acção individual que deviam ser assegurados colectivamente e intencionalmente, e não através do mercado, que é uma instância no seio da qual os desejos e as preferências são satisfeitos.”HOOVER, David e PLANT, Raymond (1989) , Conservative Capitalism in Britain and the United States, Routledge.



A política do Governo do Partido Socialista na área da Saúde é hoje um instrumento de completo favorecimento dos interesses privados dos grandes grupos económicos que trabalham nesta área.


O Estado, com este PS, está a desinvestir na saúde, fechando urgências, maternidades e serviços de atendimento médico público, um pouco por todo o país. Em consequência abre oportunidades para que os privados avancem preenchendo as falhas por ele deixadas.


Não tenho nada contra os serviços privados de saúde, a questão é que a saída do serviço público não pode, nem deve, ser resolvida com a entrada dos serviços privados. Uma coisa não substitui a outra. O mercado privado tem uma lógica diferente do serviço público gratuito uma vez que não está orientado por uma lógica de solidariedade mas antes por uma lógica do lucro. Que se saiba, solidariedade e lucro não são o mesmo. Este Governo é por isso um dos principais responsáveis pela crise do SNS, uma das grandes conquistas que a democracia trouxe ao povo Português. Mas não é o único responsável. Uma parte dos médicos têm também uma quota de responsabilidade. O exercício da medicina em Portugal é hoje completamente promíscuo e perverso, quando falamos de acumulação de funções da medicina pública com a privada. Esta situação tem graves consequências para o descrédito e crise do SNS. Existem hoje muitos médicos que têm interesse em que os serviços públicos funcionem mal para que dessa forma se abra a possibilidade de actividade do serviço privado.


Um recente trabalho, do sociólogo Álvaro Barreto que brevemente passará na RTP e que fala da evolução da sociedade portuguesa nos últimos 40 anos, aponta esta questão como um dos problemas graves do Portugal de hoje. Barreto diz que muitos dos médicos que em Portugal acumulam medicina pública e privada passam, regra geral, a manhã no serviço público e a tarde no serviço privado, não trabalham o número de horas suficiente no público, talvez metade ou um terço do que deveriam trabalhar. Por exemplo, ao nível da cirurgia, operam pouco durante a manhã no público para operarem à tarde no privado, dominando no fundo a oferta e a procura do mercado das cirurgias- “ Ás 14 horas, os lugares reservados aos médicos no estacionamento dos hospitais públicos estão vazios!”.


Do que conheço e no caso particular do hospital de Viseu a situação é ainda mais grave, uma vez que uma parte, ainda que bastante minoritária dos médicos, exerce medicina privada dentro das instalações do próprio hospital. Do ponto de vista ético e deontológico o exercício da medicina não deveria estar tão mal tratado. O mesmo médico que até ás 14 ou 16 horas trabalha para o serviço público, não pode nem deve depois dessa hora trabalhar para o serviço privado dentro da unidade hospitalar pública. Do ponto de vista ético isto é zero! Inclusivamente, as consultas privadas dentro do hospital público chegam a ser anunciadas em jornais da cidade. Uma aberração completa. A violação do código deontológico dos médicos parece óbvia no seu artº94 “Não subordinação do dever público ao interesse privado – O Médico que presta serviço em estabelecimento oficial de saúde não deve exercer essas funções em proveito da sua clinica particular ou de qualquer instituição de cuidados de saúde”. Admito que este caso não é o único no país e que esta é uma tendência generalizada nos hospitais da rede pública, admito também que possam existir muitos e bons argumentos de ordem económica e técnica para justificar esta situação, contudo, nada o justifica quando pensamos na ética que deveria imperar e orientar os clínicos primeiro e os responsáveis das unidades hospitalares a seguir. Uma parte importante da crise que se quer criar no SNS é também da sua responsabilidade.


Deixem-me ainda que lhes diga que conheço um grande número de médicos com dedicação exclusiva quer no público, quer no privado, que sendo uma excepção acabam por ser um grande exemplo e me merecem todo o respeito.


(*) Alexandre Azevedo Pinto


Artigo publicado na ed. 262, 23 de Março de 2007, do Jornal do Centro

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