tribuna socialista

quinta-feira, maio 26, 2005

AINDA A PROPÓSITO DE CUBA...

O texto "Cuba: Fidel não é reformável!" gerou alguns comentários críticos, alguns dos quais podem ser consultados. Outros foram remetidos directamente para o mail jpmfreire@sapo.pt. Aproveitamos esses comentários para debater (mais uma vez e sempre que for necessário), à esquerda, as experiências socialistas inspiradas no modelo que consideramos burocrático e totalitário da ex-URSS.

O que se passa em Cuba, tal como o que conteceu e acontece no Leste Europeu, interessa às esquerdas. É uma discussão na qual nenhum tema deve ser considerado tabu ou dogma. No geral, estaremos sempre a discutir e a analisar/avaliar experiências de um "socialismo" deformado, burocratizado e descontinuado. E aqui surge, desde logo, uma questão: será inevitável que regimes considerados "socialistas" degenerem em monstruosidades burocráticas e totalitárias, para depois "darem" lugar ao pior dos liberalismos? É o que tem acontecido, mas consideramos que não é uma inevitabilidade. As deformações e as degenerações acontecem quando as direcções políticas começam a desprezar as diversas formas de democracia, de participação dos cidadãos e dos trabalhadores e quando perante qualquer ameaça externa começam, a nível interno, a arranjar bodes expiatórios. Acontece também quando a dimensão internacional da luta pelo socialismo é ignorada, desprezada ou reduzida a mera retórica.

A Revolução de 1917, de Lenine, de Trotsky, de Bukarine, de Zinoviev, dos bolcheviques, do poder dos sovietes é, para nós, uma referência marcante. Referência de democracia, referência da luta pelo socialismo.

Mas a Revolução de 1917 naquilo que significa de genuína democracia operária e socialista, não tem nada a ver com a monstruosidade estalinista do assassinio de opositores bolcheviques a Estaline ou com os campos de concentração do Gulag. Que não são uma "invenção burguesa", mas antes, foram uma realidade que assassinou mulheres e homens desde sempre socialistas, até comunistas, e, pertencentes a outras correntes anti-capitalistas.

A Revolução de 1917 e o que Lenine defendeu quanto à questão das nacionalidades, tem também muito pouco a ver com a URSS de Estaline a Brejnev, incluindo aí, o que aconteceu, em matéria de imposição burocrática e militar, a quase todos os países que vieram a gravitar em torno da ex-URSS.

O que está em causa em toda esta discussão não é o socialismo, não são as exigências de internacionalismo, não são os blocheviques de Lenine. O que está em causa são as monstruosidades deformadoras e hiper-nacionalistas cometidas por Estaline e pelos seus seguidores. No leste europeu, na Republica espanhola (mais outro exemplo marcante do que significou o estalinismo e das suas consequências contra-revolucionárias), na China e, chegamos a Cuba.

Para sermos precisos sob o ponto de vista histórico, Fidel Castro e a sua direcção desde que existe Partido Comunista Cubano, nunca tiveram por referência outro modelo que não fosse o de uma URSS estalinista, pós-3ª Internacional e adaptada à chamada "guerra fria".

É com este cenário, que Cuba, desde cedo, experimenta a vizinhança agressiva de um monstro imperialista. É verdade. Ainda hoje se mantém o bloqueio. Também é verdade. Mas também é verdade que Fidel Castro se remeteu, qual defensor da teoria do "socialismo num só país", à defesa da "fortaleza" em que se tornou Cuba. A revolução cubana não foi extendida, divulgada, como Che tentou fazer! Fidel remeteu-se, desde cedo, ao jogo da chamada "coexistência pacífica". Ao mesmo tempo foi subtraíndo liberdades no interior de Cuba, mesmo para ex-companheiros.

O socialismo precisa de democracia (e não me refiro à democracia burguesa como a conhecemos!) e de liberdades democráticas como o corpo humano precisa de oxigénio!

Isto é contrário aos que defendem o "socialismo" como uma espécie de "fortaleza", cercado de inimigos por todo o lado e, aos poucos, também no interior da "fortaleza".

Reconheço os êxitos sociais e económicos que a introdução de uma economia planificada criou em Cuba. Mas a asfixia da sociedade cubana, quanto a práticas democráticas, nomeadamente ao nível da participação dos trabalhadores na direcção da economia, tem gerado estagnação e crise. Problemas já verificados também nos anos da URSS de Estaline a Brejnev.

A estagnação é majorada pelos efeitos do bloqueio. Mas é também ampliada pela inexistência de qualquer forma de democracia directa e/ou representativa e liberdades democráticas.

As mega manifestações de milhões de cubanos nada significam em matéria de existência ou não de democracia socialista. São episódios já vistos no tempo de Estaline, que exibem a capacidade de controlo totalitário e não qualquer auto-iniciativa democrática dos trabalhadores e cidadãos.

Mas se é verdade que Fidel é um ditador como é que é possível que aconteçam essas manifestações e também como é possível que se continue a movimentar a nível internacional? Há aqui algo de contraditório que vai coexistindo visando, por parte das burguesias internacionais, um resultado final que é a reinstauração do pior capitalismo. As diversas administrações norte-americanas querem uma Cuba capitalista e quase colonial. Mas sabem que se tomarem a iniciativa de qualquer acção, como, por exemplo, a que impuseram no Iraque, podem reacender o rastilho revolucionário no continente americano. Daí que prefiram seguir o que fizeram COM ÊXITO no leste europeu: deixar o regime cair por cima ! !

Fidel se fosse socialista e internacionalista, há muito que teria intervido políticamente junto das massas oprimidas da América Central e do Sul. Mas não, fica-se pelas negociatas diplomáticas e reduz a sua acção externa a isso mesmo!

No interior de Cuba, teria demonstrado já que PLANIFICAÇÃO + DEMOCRACIA é um modelo um milhão de vezes melhor que as mil e uma receitas do liberalismo nacional ou global. Só que Fidel não é socialista, é um ditador que se impõe em nome de um "socialismo" deformado, burocratizado e totalitário.

Fidel Castro parece que também passou a usar o bloqueio imperialista norte-americano como justificação para todo e qualquer atropelo aos mais elementares direitos democráticos. E isso é indefensável desde um ponto de vista socialista!

Todos os "socialismos" que entraram pela via da justificação da repressão interna devido às ameaças externas, acabaram por se burocratizar transformando-se em autenticos Estados policiais.

As ameaças externas combatem-se com políticas e práticas internacionalistas. E, nesta matéria, repetimos que nada se vê da parte do regime castrista.

Estamos contra o bloqueio dos EUA a Cuba, estamos solidários com o povo cubano, mas a nossa solidariedade não vai, nem um bocadinho para Fidel Castro, o governo cubano e todos aqueles que contribuem para a asfixia democrática da sociedade cubana. Consideramos que a reinstauração do capitalismo em Cuba pode por em perigo a própria existência de Cuba como país soberano . Como consideramos que o papel de todas as administrações norte-americanas relativamente a Cuba e aos cubanos exilados nos EUA tem sido um papel ao nível de um autentico terrorismo de Estado.
. Posted by Hello

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