tribuna socialista

sábado, maio 14, 2005

A "DEMOCRACIA" DO MODELO LIBERAL

(Este texto foi redigido na sexta-feira, 13 do corrente. Tomei conhecimento, segundo o Público de hoje da intervenção de Vital Moreira (VM) numa palestra realizada em Coimbra intitulada "Democracia ou Demagogia". Nessa palestra, VM insistiu, segundo o Público, que "não se deve abusar" dos mecanismos de democracia directa, dado que estes, mesmo quando bem intencionados, "podem ser bombas anti-democráticas". VM nunca soube o que era defender formas de democracia directa. Passou da defesa do modelo burocrático-soviético para a defesa da democracia de poderes delegados que se critica neste texto. VM é também um daqueles políticos formalmente de esquerda, mas, na prática, defensores dos mesmissimos modelos impostos pelo liberalismo. Por isso tem sido um dos paladinos portugueses na defesa do TCE. Por isto, este texto é também uma crítica directa às suas posições passadas e actuais!)

O Tratado Constitucional Europeu (TCE) tem estado a ser aprovado por diversos Parlamentos nacionais (Austria, Alemanha ...) com maiorias inquestionáveis. Trata-se de um acto legitimo efectuado por orgãos democráticos também legítimos.

Mas estas aprovações merecem algumas considerações, que não colocam em causa a legitimidade democrática desses Parlamentos, mas questionam frontalmente um tipo de democracia que merece ser analisado criticamente: a democracia dos poderes delegados, a chamada democracia representativa.

Isto porque, estamos numa época em que parece que a democracia representativa tem mais a ver com uma forma de controlo da vontade directa dos cidadãos, e, menos com a expressão da vontade popular em cada momento e/ou perante casos concretos. Há uma tentativa de desvalorização ou de anulação de outras formas de democracia, como a directa, principalmente quando ficam em causa exercícios de poder ou manutenção de usos e costumes que os poderes, os governos e os Estados querem ver perpetuados.

No caso do TCE, pode-se afirmar que há uma clara divergência entre a expressão dos Parlamentos nacionais e a expressão referendária das vontades populares. Como tem havido um crescente desinteresse dos cidadãos euorpeus perante um Parlamento europeu que se encontra despido de muitas das suas funções parlamentares, nomeadamente as constituintes.

Como interpretar / analisar todas estas situações? Persistir num modelo que aparece funcionar cada vez pior ou ter a coragem de propor um novo onde a participação popular e cidadã seja o motor da democracia?

A saída não está naquilo que se poderia chamar uma "democracia referendária", mas poderá estar no desenvolvimento de formas directas de democracia que promova a participação cidadã a todos os níveis. Mais particpação directa, mais expressão directa da vontade popular e menos delegação de poderes.

A democracia promovida pelo liberalismo da era da globalização é o reino da delegação de poderes, é a expressão da dominação dos poderes globalizados sobre as imensas maiorias que periódicamente manifestam, em crescendo, mais desinteresse pela política servida pelo liberalismo.

A dselegação democrática dos poderes tem significado um abafamento da expressão da vontade popular. Não é de espantar que a direita assuma perante a democracia, a defesa de um modelo crescentemente formal e até totalitário. Vai ao encontro do que defende nas e para as empresas. Como vai ao encontro do seus modelos securitários e repressivos de combate ao terrorismo, nos quais as liberdades passam a meras formalidades. Ou então na promiscuidade permanente que cometem entre interesses privados e serviços públicos. É um modelo crescentemente totalitário no sentido de que tudo passa a ser controlado e imposto por representantes, de facto, eleitos, mas que, uma vez eleitos, deixam de ficar subordinados à vontade e ao controlo de quem os elegeu. Um cenário além de totalitário também burocratizante.

O que espanta é a atitude das direcções dos partidos da Internacional Socialista perante este cenário: na oposição criticam, no governo acolhem o modelo liberal ... em nome da estabilidade, das instituições e de outras abstracções. Nem no interior dos partidos que dirigem, os dirigentes socialistas conseguem assegurar qualidade na democracia interna ...

A posição perante o TCE é mais um episódio da direcção do PS quanto à incapaciodade de qualificarem a democracia e, na prática, se afirmarem como diferentes e alternativos ao modelo liberal-capitalista.

1 comentário:

Zé Geremias Povinho Leitão disse...

Parabém por este excelente texto. Já agora há um livro muito interessante sobre o assunto: "O Livro Verde", de Muammar Al Qathafi.